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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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populações que vivem na fronteira (Ab<strong>do</strong>uraman, 2008). O lago Chade (reserva estratégica<br />

de água na região, importantes recursos haliêuticos) tem si<strong>do</strong> alvo de vários conflitos entre<br />

os Esta<strong>do</strong>s que o bordam e que disputam os seus limites num contexto de redução drástica<br />

da sua superfície. A Nigéria aproveitou a descida <strong>do</strong> nível das águas e a aparição<br />

subsequente de ilhas para afirmar a sua soberania sobre as novas terras (apesar da existência<br />

de uma fronteira, materializada por pilares, entre ambos os países), o que tem si<strong>do</strong><br />

contesta<strong>do</strong> pelos Camarões. Os Esta<strong>do</strong>s em questão fizeram da deslocação/apropriação da<br />

fronteira uma questão de interesse nacional e já estiveram por este motivo à beira de um<br />

conflito arma<strong>do</strong>. O mais interessante para a questão da fronteira é a gestão <strong>do</strong> problema<br />

pelos sujeitos locais. A população camaronesa parece aceitar sem grande dificuldade a<br />

presença tanto <strong>do</strong>s pesca<strong>do</strong>res como <strong>do</strong> aparelho de segurança nigerianos, pois percebeu<br />

rapidamente as vantagens económicas que podia retirar da nova situação (oportunidades de<br />

comércio proporcionadas pelo surgimento de uma pequena indústria nigeriana de<br />

transformação <strong>do</strong> peixe). O que este caso evidencia é uma gestão alternativa da fronteira<br />

por parte de sujeitos que oficialmente não têm autoridade para o fazer, ou, dito de outro<br />

mo<strong>do</strong>, estamos perante mo<strong>do</strong>s de regulação transfronteiriças que permitiram às populações<br />

desenvolver uma integração pacífica a partir de baixo (Ab<strong>do</strong>uraman, 2008).<br />

O segun<strong>do</strong> exemplo mostra que a fronteira é muito mais <strong>do</strong> que a simples<br />

demarcação oficial entre <strong>do</strong>is Esta<strong>do</strong>s: é um lugar instável, de contornos imprecisos, uma<br />

espécie de geografia íntima marcada pelos deslocamentos de seres humanos e merca<strong>do</strong>rias.<br />

Um <strong>do</strong>s paradigmas possíveis desta situação são os atores <strong>do</strong> narcotráfico na fronteira<br />

entre Ciudad Juarez (México) e El Paso (Esta<strong>do</strong>s-Uni<strong>do</strong>s) (Guez, 2008), duas cidades que,<br />

vistas com a distância que permite o programa GoogleEarth, formam uma gigantesca<br />

conurbação separada pela famosa barreira entre ambos os Esta<strong>do</strong>s. Os sujeitos<br />

entrevista<strong>do</strong>s pela autora estão envolvi<strong>do</strong>s em diferentes graus no comércio ilícito de<br />

estupefacientes e vivem to<strong>do</strong>s da/na fronteira, uma fronteira que Guez tenta pensar nas<br />

suas interações com os territórios, as pessoas, os projetos que liga e põe em rede. Se o<br />

controlo da fronteira é essencial para as organizações criminosas (pois a simples passagem<br />

inflaciona diretamente o preço da merca<strong>do</strong>ria), ela também se transformou numa meta para<br />

os pequenos transporta<strong>do</strong>res de droga, a promessa de uma vida diferente, um símbolo de<br />

esperança, o que significa que para eles a fronteira existe antes de ser avistada. De facto, a<br />

partir <strong>do</strong> momento em que decidiram transportar droga em direção à fronteira, esses<br />

pequenos transporta<strong>do</strong>res já transgrediram a «fronteira» entre o legal e o ilegal, que a<br />

fronteira com o seu arame farpa<strong>do</strong>, os seus agentes da autoridade, a sua violência legal<br />

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