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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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As razões são óbvias: <strong>do</strong> ponto de vista hermenêutico to<strong>do</strong> o processo<br />

interpretativo é uma tentativa de compreensão da palavra de outrem, e portanto pôs-se<br />

a tónica na substancial unidade de todas as tentativas de compreensão <strong>do</strong> que diz o<br />

Outro. (Eco, 2005: 238)<br />

Segun<strong>do</strong> Wilhelm (2004), a origem da articulação entre hermenêutica e tradução<br />

encontra-se logo na obra de um <strong>do</strong>s funda<strong>do</strong>res da hermenêutica como disciplina<br />

autónoma. Schleiermacher, na sua Hermenêutica, considerava esta como a «compreensão de<br />

um discurso estranho/estrangeiro» (Wilhelm, 2004: 770). Significa que traduzo/interpreto<br />

pela razão de que algo no texto continua a resistir, a não fazer senti<strong>do</strong>, algo de estranho que<br />

afasta em parte o texto <strong>do</strong> qual preten<strong>do</strong> aproximar-me. Como é sabi<strong>do</strong>, é a partir de<br />

Schleiermacher que «le propre de l’herméneutique est d’aborder le problème de la<br />

compréhension à partir du phénomène de l’incompréhension ou du malentendu» (Wilhelm,<br />

2004: 770). Nota-se que o estranho/estrangeiro não remete somente para o texto que foi<br />

escrito numa língua diferente da minha, mas também para o que na(s) minha(s) língua(s)<br />

veio a tornar-se estranho/estrangeiro. Para Schleiermacher, assim como para Gadamer e<br />

Ricoeur, a tradução entendida no senti<strong>do</strong> mais lato, viria a transformar-se no modelo da<br />

hermenêutica. Traduzir ou «traduzir» implica assim interpretar porque quero entender<br />

através de outras palavras o que o texto significa. 50<br />

Dito de outro mo<strong>do</strong>, antes de traduzir é preciso ter interpreta<strong>do</strong> o texto em<br />

questão, ou ainda, é preciso um trabalho preliminar onde o tradutor/hermeneuta coloca as<br />

suas hipóteses de leitura, pratica uma análise textual, evidencia os vários níveis de<br />

significação que percorrem o texto. É o que Eco resume da seguinte maneira: «O tradutor<br />

em primeiro lugar tem de reformular a frase-fonte na base de uma sua conjectura sobre o<br />

mun<strong>do</strong> possível que ela descreve, e só depois poderá traduzir […]» (Eco, 2005: 253). 51<br />

É nítida a relutância de Eco em considerar como tradução qualquer ato de<br />

interpretação. Na tipologia aberta que propõe, a tradução stricto sensu é o resulta<strong>do</strong> de uma<br />

50 Eis o que Gadamer dizia a este propósito num artigo publica<strong>do</strong> em 1982: «La traduction est le modèle de<br />

l’interprétation parce que traduire nous contraint non pas seulement à trouver un mot mais à reconstruire le<br />

sens authentique du texte dans un horizon linguistique tout à fait nouveau; une traduction véritable implique<br />

toujours une compréhension qu’on peut expliquer» (Gadamer apud Wilhelm, 772).<br />

51 De Launay diz precisamente o contrário: «On traduit parce qu’on ne comprend pas un texte, et on se livre<br />

à ce travail afin de le comprendre, en sachant que la traduction résultant de l’interprétation, aussi puissante<br />

soit-elle, ne sera jamais définitive (et n’aura jamais pu exprimer le texte original ‘mieux que l’eût fait son<br />

auteur’)» (de Launay, 2006: 30-31). Note-se, porém, a contradição entre o sintagma inicial (a compreensão<br />

segue a tradução) e o sintagma final (a tradução como resulta<strong>do</strong> da interpretação). Ao contrário <strong>do</strong> que o<br />

autor defende, penso que se traduz quan<strong>do</strong> julgamos ter percebi<strong>do</strong> o texto.<br />

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