24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>do</strong> que qualquer discurso teórico, os trajetos <strong>do</strong>s que convivem e vivem de e na «fronteira»<br />

tornam-se essenciais nas sociedades <strong>do</strong> Norte:<br />

Oui, partout, dans chaque société divisée, se trouvent un certain nombre d’hommes<br />

et de femmes qui portent en eux des appartenances contradictoires, qui vivent à la<br />

frontière entre deux communautés opposées, des êtres traversés, en quelque sorte,<br />

par les lignes de fractures ethniques ou religieuses ou autres. (Maalouf, 1998: 45)<br />

Seria no entanto erra<strong>do</strong> ler em Maalouf um panegírico da condição migrante ou da<br />

vida na diáspora, pois estas evidenciam múltiplos exemplos de fracassos, de violência, mas,<br />

<strong>do</strong> ponto de vista da questão que me ocupa aqui, o migrante adquiriu de facto um estatuto<br />

exemplar, pois revela exemplarmente o perigo de uma identidade vista como monolítica<br />

onde o prefixo mono impede até de pensar na possibilidade de um pluri: «S’il y a une seule<br />

appartenance qui compte, s’il faut absolument choisir, alors le migrant se trouve scindé,<br />

écartelé, condamné à trahir soit sa patrie d’origine soit sa patrie d’accueil […]» (Maalouf,<br />

1998: 48).<br />

As reflexões de Maalouf são igualmente úteis para descrever a particular condição<br />

<strong>do</strong> crítico pós-<strong>colonial</strong> que trabalha numa perspetiva comparatista, a fortiori quan<strong>do</strong> se trata<br />

de um indivíduo ele próprio migrante. Pois, à semelhança de muitos outros migrantes,<br />

experimenta no seu dia-a-dia os prazeres e as tensões de uma vida na «fronteira», de uma<br />

vida ao mesmo tempo estimulante e angustiante, de uma vida onde a prática de<br />

tradução/«tradução» revela um ser atravessa<strong>do</strong> por linhas de fraturas, para utilizar as<br />

palavras de Maalouf.<br />

Entre os percursos individuais que ajudam a entender a condição <strong>do</strong> crítico em<br />

questão, gostaria de destacar os <strong>do</strong>s escritores e intelectuais oriun<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s países<br />

coloniza<strong>do</strong>s, pois revelam ao mesmo tempo quão difícil mas também quão estimulante é o<br />

caminho que leva a «fronteira». Um V.Y. Mudimbe, por exemplo, em Les corps glorieux des<br />

mots et des êtres (1994), descreve um desses percursos, o seu, e assim evidencia<br />

concretamente a identidade <strong>do</strong> intelectual transcultural, o intelectual que se fez na<br />

«fronteira» e com recurso permanente à «tradução». 71 Nesta obra, que oscila entre<br />

autobiografia e ensaio, Mudimbe descreve uma cultura urbana congolesa durante o perío<strong>do</strong><br />

<strong>colonial</strong>, Lumumbashi em particular, como lugar da (re)invenção das relações sociais, da<br />

71 Poderia também ter escolhi<strong>do</strong> os percursos de Edward W. Said tais como o próprio os descreveu em Out of<br />

Place. A Memoir (1999). Aqui, como em Mudimbe, encontramos múltiplas «fronteiras», «traduções»<br />

permanentes que explicam, em parte, o que transforma um homem em crítico transcultural.<br />

73

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!