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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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Ntambue, tornan<strong>do</strong>-se deste mo<strong>do</strong> sujeito trágico, percebe que está encurrala<strong>do</strong><br />

entre duas forças: o próprio povo («Si je n’accomplis pas leur vœu, ils se vengeront» II, 2) e<br />

o exército de ocupação («Il te faudra craindre davantage notre vengeance à nous»<br />

contrapõe-lhe de imediato o Oficial). É notório que nesta cena a maior parte das réplicas<br />

está a cargo <strong>do</strong> Oficial e <strong>do</strong> Solda<strong>do</strong>, enquanto Ntambue se limita a responder ou a<br />

exprimir brevemente as suas preocupações. O reduzi<strong>do</strong> espaço textual de Ntambue (o<br />

potenta<strong>do</strong> local) sinaliza e simboliza o seu parco espaço no campo <strong>do</strong> poder.<br />

Não é por acaso que, tanto nesta peça como nas de Tansi, o potenta<strong>do</strong> desenvolve<br />

um me<strong>do</strong> incontrolável, uma paranóia, <strong>do</strong> que possa vir a surgir da violência exercida pelas<br />

forças de segurança. Sow, mais uma vez, nota que o potenta<strong>do</strong> louco é uma figura<br />

recorrente da produção romanesca de Nkashama: um potenta<strong>do</strong> que polvilha o território<br />

de centros de detenções onde espera quebrar o ímpeto revolucionário. Todavia, este<br />

sistema de terror estabeleci<strong>do</strong> pelo potenta<strong>do</strong> é, tanto na obra de Nkashama como nas<br />

descrições teóricas, uma espécie de encenação, de fachada prestes a desmoronar, a violência<br />

esconden<strong>do</strong> então a fragilidade das bases <strong>do</strong> poder. À semelhança <strong>do</strong> que aconteceu<br />

durante o perío<strong>do</strong> <strong>colonial</strong>, o poder local não consegue manter a ordem, os sujeitos<br />

sublevam-se contra um Esta<strong>do</strong> opressivo: «Plus je sévis, plus ils s’entêtent. Je ne vais quand<br />

même pas les exterminer tous?» dirá Ntambue (II, 7), relembran<strong>do</strong> o que Fanon dizia da<br />

tentação <strong>colonial</strong> de aniquilação <strong>do</strong>s sujeitos coloniza<strong>do</strong>s (Fanon, 1961: 81ss.) Ntambue<br />

fecha-se cada vez mais na solidão, começa a sofrer perturbações psíquicas enquanto o<br />

poder central organiza a pilhagem. O Oficial volta na última cena <strong>do</strong> Ato II para lhe<br />

transmitir ainda mais poder. Nkashama representa aqui com recurso à tragédia a delegação<br />

de poder de cima para baixo descrita por Mamdani em Citizens and Subjects:<br />

Tu es notre courroie de transmission. Un vrai Souverain intronisé légalement. Il<br />

n’est que normal que tu prennes des décisions et des initiatives. Le sens des<br />

responsabilités. (II, 7)<br />

Il nous fallait un homme expérimenté, voué à notre cause. Et cet homme, nous<br />

l’avons découvert en toi. C’est pourquoi, à partir de maintenant, nous avons décrété<br />

de te déléguer l’exercice effectif du pouvoir. (II, 7)<br />

Ntambue desempenhou tão bem o seu papel de «tampão» que os sujeitos o culpam<br />

pela desgraça sem ver o escalão imediatamente superior. O Oficial constata: «Incroyable<br />

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