24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

não entender todas as conotações, alusões, metáforas em Édipo Rei ou em Hamlet, mas sei<br />

porque as personagens epónimas sofrem, assim como percebo as razões <strong>do</strong> sofrimento de<br />

Mallot em Je, soussigné cardiaque de Sony Labou Tansi e de Ilunga em La Rédemtpion de Sha<br />

Ilunga de Pius Ngandu Nkashama, mesmo que não entenda todas as alusões ao contexto<br />

cultural local.<br />

Aliás, é o que Soyinka sustentava em Myth, Literature and the African World. Embora<br />

defendesse, neste clássico da literatura crítica, a existência de duas representações quase<br />

antagónicas, para não dizer irredutíveis, <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, a Africana e a Ocidental, 188 admitia a<br />

possibilidade de uma comparação entre bens culturais produzi<strong>do</strong>s nestes <strong>do</strong>is polos,<br />

sobretu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> se trata de tragédias, em nome justamente de uma certa universalidade:<br />

A ground common to all fortunately makes comparative references possible: the<br />

creative man is universally involved in a subtle conspiracy, a tacit understanding<br />

that he, the uncommissioned observer, relates the plight of man, his disasters and<br />

joys, to some vague framework of observable truths and realities. (Soyinka, 1976:<br />

44)<br />

Voltarei mais à frente ao ensaio de Soyinka, mas retenhamos desde já que a<br />

tragédia, por razões intrínsecas (que tanto têm a ver com a sua estrutura ou sintaxe como<br />

com a natureza da sua representação, o mal e as suas causas), se globalizou, constituin<strong>do</strong><br />

uma forma de universal. Assim sen<strong>do</strong>, este tipo de prática literária permitiria ao crítico<br />

estabelecer conexões ou ligações (o que corresponderia aos branchements defendi<strong>do</strong>s por um<br />

Amselle ou um Gruzinski) entre textos, independentemente <strong>do</strong> seu contexto de<br />

enunciação. Mas há mais, pois o que se tem generaliza<strong>do</strong>, não é só a tragédia como género<br />

dramático, como também o trágico enquanto efeito de sintaxe, e esta categoria, como é<br />

sabi<strong>do</strong>, não precisa da tragédia. Este trágico estrutura, por exemplo, romances como Things<br />

Fall Apart (Achebe, 1957) ou Batouala (Maran, 1921), para me cingir a <strong>do</strong>is clássicos, ou<br />

filmes como La Nuit de la Vérité (Nacro, 2004) ou Sometimes in April (Peck, 2005).<br />

Contu<strong>do</strong>, as ligações entre práticas e escritas não se cingem ao <strong>do</strong>mínio estrito da<br />

tragédia e <strong>do</strong> trágico entendi<strong>do</strong>s no seu senti<strong>do</strong> literário. Com a exportação e implantação<br />

188 Neste ensaio, o escritor nigeriano evidencia nalguns momentos uma tendência para encarar ambos os<br />

polos como essências. Celebra, por exemplo, Le regard du Roi (1954), segun<strong>do</strong> romance de Camara Laye, como<br />

sen<strong>do</strong> puramente africano: «The Radiance of the King remains our earliest imaginative effort towards a modern<br />

literary aesthetic that is unquestionably African, and secular» (Soyinka, 1976: 126.Enfâse minha). Porém, Laye<br />

admitiu a Kesteloot pouco antes de morrer que não tinha escrito o livro e que o verdadeiro autor era um<br />

«branco» que vivia em África. Será o livro menos unquestionably African porque foi escrito por um europeu?<br />

(Reisz, 2001: 122ss.).<br />

216

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!