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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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Parece-me, pelo contrário, que Jaime Bunda assimilou bem as regras que regem<br />

uma certa classe social: deseja enriquecer a to<strong>do</strong> o custo, detesta a ambiguidade da sua<br />

situação social, encara o grau de inspetor unicamente como acesso a certas regalias, não<br />

hesita em infringir as leis e em contratar sicários para satisfazer os seus projetos pessoais.<br />

Por outras palavras, é por ter percebi<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong> de funcionamento de um determina<strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> – o que funciona só para uma minoria em detrimento da maioria, o<br />

Esta<strong>do</strong> preda<strong>do</strong>r descrito por um Hodges (2004), por exemplo - que Bunda procura as vias<br />

que lhe permitirão, pelo menos é o que espera, subir socialmente. 272<br />

A série Jaime Bunda evidencia de facto os mecanismos, os mo<strong>do</strong>s de funcionamento,<br />

as redes familiares e sociais em exercício no seio de um determina<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong>.<br />

Uma certa crítica não deixou de assinalar, em recensões (Pacheco 2001; Pires Laranjeira<br />

2001) ou em estu<strong>do</strong>s mais académicos (Venâncio 2005, 2008), a acuidade <strong>do</strong> olhar<br />

sociológico <strong>do</strong> escritor tanto sobre a elite no poder como sobre os condena<strong>do</strong>s, geralmente<br />

ignora<strong>do</strong>s por aquela.<br />

À semelhança <strong>do</strong> que se verifica em Tansi e Nkashama, mas talvez de maneira mais<br />

aprofundada, Pepetela, na biografia <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong>, relembra a filiação deste último<br />

no Esta<strong>do</strong> <strong>colonial</strong>. Assim, em JB2, uma série de indícios textuais permitem, uma vez<br />

liga<strong>do</strong>s em rede, estabelecer a conexão entre o tempo <strong>colonial</strong> e o tempo pós-<strong>colonial</strong>: o<br />

palácio <strong>do</strong> governa<strong>do</strong>r de Benguela começou a ser construí<strong>do</strong> ainda durante o perío<strong>do</strong><br />

<strong>colonial</strong> e foi termina<strong>do</strong> depois da independência; o agente Rosas foi forma<strong>do</strong> pela polícia<br />

<strong>colonial</strong> para torturar os suspeitos, prática que perpetuou na polícia <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

independente; Pierre d’Arcanchel, o responsável da ONG, que trabalha com Demócrito<br />

para resolver o caso das crianças desaparecidas, tinha si<strong>do</strong> manda<strong>do</strong> para Angola em vez de<br />

cumprir pena de prisão na França, numa subtil alusão à permanência da prática <strong>do</strong> degre<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> criminoso <strong>do</strong> Norte para territórios <strong>do</strong> Sul. Por fim, o próprio crime possui o seu exato<br />

equivalente no perío<strong>do</strong> <strong>colonial</strong> (mais uma ilustração <strong>do</strong> efeito de duplicação inerente à<br />

narrativa policial). Eis o que diz Julião Domingos de Sousa a este propósito: «Há cinquenta<br />

anos o morto tinha vin<strong>do</strong> há pouco da potência coloniza<strong>do</strong>ra. Agora o faleci<strong>do</strong> vem da<br />

nova potência coloniza<strong>do</strong>ra, <strong>do</strong> Império» (Pepetela, 2003: 110).<br />

272 O próprio Pepetela achava difícil fazer de Jaime Bunda uma personagem positiva, pois, no contexto social<br />

de referência, a polícia gozava de péssima reputação: «É uma má relação entre as pessoas e a polícia, um<br />

esta<strong>do</strong> inquieto, psicológico, pode-se dizer, sobre a credibilidade das instituições. Em Angola a polícia é das<br />

instituições menos críveis. O governo, o parlamento, os tribunais são <strong>do</strong> mesmo jeito.» (Wieser, 2005).<br />

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