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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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pelo menos de um vestígio de dignidade: «Je suis, je reste, je meurs debout» (Tableau 1, scène<br />

1). No entanto, pode também não passar de uma intenção, de um ato completamente<br />

falha<strong>do</strong>: «Tu n’as pas existé. Tu meurs grossesse. Tu fêtes le néant. Tu te fais des phrases»<br />

(Tableau 1, scène 1).<br />

Como o vimos, a partir da cena 2 <strong>do</strong> quadro I, a peça é construída como um flash-<br />

back com o propósito de mostrar a origem da desgraça de Mallot. Aqui, Je, soussigné cardiaque<br />

assume a relação peculiar da tragédia ao tempo, pois, como o mostrou Clément Rosset<br />

(Capítulo IV), o início de muitas tragédias corresponde muitas vezes ao fim <strong>do</strong> desenrolar<br />

<strong>do</strong> mecanismo trágico. Tanto em Antígona como na peça de Tansi, o fim está no início e o<br />

início no fim. Como o apontava ainda Rosset, podemos ter a sensação <strong>do</strong> tempo a fluir por<br />

causa das peripécias, por exemplo, mas o tempo trágico fica cristaliza<strong>do</strong> no resto da peça. É<br />

exactamente o que acontece nesta ocorrência e Tansi parece assumir plenamente esta<br />

duplicidade <strong>do</strong> tempo na tragédia. Apesar <strong>do</strong> que possa vir a acontecer na analepse, o<br />

recetor sabe que Mallot caiu. Por assim dizer, vamos segui-lo em desespero de causa,<br />

saben<strong>do</strong> que a sua revolta será em vão. No entanto, esta autobiografia de um fracasso<br />

anuncia<strong>do</strong> permitirá aprofundar a presente abordagem das representações <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<br />

<strong>colonial</strong> como força trágica.<br />

Por causa <strong>do</strong> seu estatuto, Mallot é leva<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong> aos quatro cantos <strong>do</strong> país<br />

sem ter a possibilidade de exercer qualquer influência nas suas colocações. Mallot aparece<br />

assim já <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> por uma macro-estrutura, por um arbitrário. A sua relação com o<br />

Lebango é marcada pela conflitualidade: «Que tu me fais souffrir, ô pays. Pays ou<br />

seulement putainerie» (Tableau 1, scène 2). No entanto, esta conflitualidade também se<br />

encontra a outro nível, mais íntimo, pois, à semelhança de Martial ou de Da<strong>do</strong>u, Mallot não<br />

para de falar, de encher os possíveis silêncios: «Moi, le silence, ça m’affole. Il faut que je<br />

fasse du bruit. N’importe lequel. Pour me persuader que je suis là !» (Tableau 1, scène 2). 233<br />

Mallot situa-se assim, como outras personagens de Tansi ou de Nkashama, no<br />

ponto de encontro entre duas forças familiares, uma dimanan<strong>do</strong> de dentro e outra de fora,<br />

esta última corresponden<strong>do</strong> à personagem de Salvator Perono. Antes <strong>do</strong> encontro entre as<br />

duas personagens, uma criança descreve a Mallot o papel central de Perono numa<br />

233 São recorrentes em Tansi as personagens angustiadas, apavoradas pelo simples facto de viver. Em La peau<br />

cassée, Jean-Marie Pouilloux, europeu à deriva entre os pigmeus, disfarça a angústia e o me<strong>do</strong> <strong>do</strong> vazio com<br />

calmantes e, mais uma vez, com um excesso de palavras. Escrita em 1984, encenada pela primeira vez no<br />

mesmo ano, esta peça foi publicada em 2006 juntamente com Cercueil de luxe numa editora com alto capital<br />

simbólico no campo teatral de língua francesa (Éditions théâtrales). Bernard Magnier apresentou uma<br />

bibliografia rigorosa da obra de Tansi no fim <strong>do</strong> volume.<br />

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