24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

como o fim da representação, restan<strong>do</strong> apenas a boa consciência de ter sofri<strong>do</strong> através de<br />

uma personagem.<br />

Voilà <strong>do</strong>nc à peu près à quoi servent tous ces grands sentiments et toutes ces<br />

brillantes maximes qu’on vante avec tant d’emphase; à les reléguer à jamais sur la<br />

scène, et à nous montrer la vertu comme un jeu de théâtre, bon pour amuser le<br />

public mais qu’il y aurait de la folie à vouloir transporter sérieusement dans la<br />

société. (Rousseau, 1967: 80) 172<br />

Mais recentemente, é o que o sociólogo francês Luc Boltanski notava a propósito<br />

<strong>do</strong> sofrimento à distância, num contexto mediático marca<strong>do</strong> pela multiplicação das<br />

representações, ficcionais ou não, das desgraças e <strong>do</strong>s sofrimentos alheios: a piedade<br />

experimenta-se necessariamente na distância de uma representação unificada de um grupo<br />

sofre<strong>do</strong>r. Inspira<strong>do</strong> em Arendt, e na esteira de Rousseau, mesmo se não o cita, nota que a<br />

presença direta <strong>do</strong> grupo sofre<strong>do</strong>r no espaço concreto, imediato, <strong>do</strong>s espeta<strong>do</strong>res que não<br />

sofrem, suscitaria um sentimento de rejeição, ou até de repulsão. A grande diferença em<br />

relação a Rousseau tem a ver, por um la<strong>do</strong>, com a proliferação mediática das<br />

representações <strong>do</strong> sofrimento de grupos humanos e, por outro la<strong>do</strong>, face a esta, com a<br />

possibilidade para o recetor de aban<strong>do</strong>nar ou não o espetáculo a qualquer altura.<br />

Este tipo de atitude face a este outro que desconhece coloca-lhe um problema:<br />

pode ser acusa<strong>do</strong> de indiferença ou acusar-se a si próprio de indiferença (Boltanski, 1993:<br />

38). Mesmo se assiste à representação até o fim, o que para Boltanski constitui já uma<br />

reação, colocar-se-á a questão da consequência: o que fazer perante a desgraça deste outro<br />

que não conheço? Primeiro, conversar, mesmo no círculo estreito da família ou <strong>do</strong>s<br />

amigos, para «maintenir son intégrité dans le face-à-face avec la souffrance» (Boltanski,<br />

ibid.). No entanto, o recetor que contempla a desgraça e a <strong>do</strong>r até ao fim sem tomar a<br />

palavra, sem nada tentar para, de uma maneira ou outra, participar no alívio ou no<br />

172 É uma reflexão que Rousseau retoma num curto texto, «De l’imitation théâtrale» (Tomo V das obras<br />

completas em La Pléiade, 1207-1209). Aí afirma que o que nós aplaudimos nas desgraças alheias é a piedade<br />

que a sua representação nos inspira: «C’est un plaisir que nous croyons avoir gagné sans faiblesse et que nous<br />

goûtons sans remords».<br />

196

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!