24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Uma compilação das réplicas de Luen<strong>do</strong> permitiria esboçar um retrato <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

pós-<strong>colonial</strong>, um Esta<strong>do</strong> nasci<strong>do</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>colonial</strong>, mas que se mantém graças a um certo<br />

interesse <strong>do</strong> Norte. O seu ponto de vista sobre o Ocidente, uma espécie de espelho dirigi<strong>do</strong><br />

ao Norte, aqui metonimicamente representa<strong>do</strong> por May Britt e Tossler, faz de May Britt de<br />

Santa Cruz uma peça definitivamente pós-<strong>colonial</strong>. Veja-se a sua corrosiva análise da origem<br />

da potência <strong>do</strong> Norte. A força deste radicaria na sua capacidade em triunfar da morte: «Les<br />

cultures s’asphyxient? Ils se tournent vers les colonies. Des escrocs et des bandits de tout<br />

genre s’abattent sur des pays inconnus» (II, 3).<br />

Para May Britt, como provavelmente para grande parte <strong>do</strong> senso comum no<br />

Ocidente, o <strong>colonial</strong>ismo remete para um passa<strong>do</strong> longínquo. Luen<strong>do</strong>, pelo contrário,<br />

entende que o <strong>colonial</strong>ismo continua vivo, se bem que sob formas diferentes, como o<br />

neo<strong>colonial</strong>ismo: «Toutes les guerres actuelles, l’Occident ne les entreprend que lorsqu’il est<br />

menacé de mort» (II, 3). Cita a primeira guerra <strong>do</strong> Golfo, contemporânea da escrita da<br />

peça, como paradigma <strong>do</strong> novo <strong>colonial</strong>ismo. Segun<strong>do</strong> Luen<strong>do</strong> ainda, o Esta<strong>do</strong> pós-<br />

<strong>colonial</strong> conseguiu manter-se no decorrer <strong>do</strong>s anos apesar <strong>do</strong>s seus crimes graças ao apoio<br />

de outro Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong>, o <strong>do</strong> Norte: «Vous le saviez vous tous. Mais vous avez<br />

préféré vous taire, pour défendre des intérêts minables de vos pays en dérive» (II, 3).<br />

Perante esta descrição, May Britt receia o desejo de vingança de Luen<strong>do</strong>, mas este<br />

retorque-lhe que não há nada a temer: «Je me suis déjà tué moi-même. Mon existence est<br />

une mort permanente. Mon corps est en pleine décomposition. Une pourriture» (II, 3).<br />

Como veremos com os textos de Tansi, um certo teatro das duas margens <strong>do</strong> rio Congo<br />

associa muitas vezes o corpo a algo reduzi<strong>do</strong> ao “baixo material e corporal” no caso <strong>do</strong>s<br />

sujeitos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> (abundam os cheiros, as disfunções, os elementos<br />

escatológicos) e a algo desmesura<strong>do</strong> no caso <strong>do</strong>s potenta<strong>do</strong>s (veja-se a proliferação de<br />

corpos gor<strong>do</strong>s, <strong>do</strong> corpo como símbolo e metáfora da sede de consumo <strong>do</strong> potenta<strong>do</strong>).<br />

Porém, perante um Tossler que não só representa a permanência das<br />

representações de tipo <strong>colonial</strong> como reproduz o desprezo por corpos reduzi<strong>do</strong>s a<br />

merca<strong>do</strong>ria, Luen<strong>do</strong> não conseguirá manter calmo esse corpo podre, já morto, quan<strong>do</strong><br />

Tossler confessa ter-se aproveita<strong>do</strong> <strong>do</strong> caos para conseguir grandes quantias de cobaias. O<br />

médico americano sonhava <strong>do</strong>mesticar e <strong>do</strong>minar as populações locais, mas, à semelhança<br />

<strong>do</strong> que aconteceu com o <strong>colonial</strong>ismo de ocupação, o projeto fracassou. O discurso de<br />

Luen<strong>do</strong> aponta para a vacuidade <strong>do</strong> projeto de Tossler.<br />

264

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!