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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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verificar com algumas personagens <strong>do</strong>s textos analisa<strong>do</strong>s nesta dissertação (e.g. Júlio<br />

Fininho em Jaime Bunda e a morte <strong>do</strong> americano), não é a qualidade da personagem que a torna<br />

trágica, é a situação, ou esquema, na qual se encontra envolta.<br />

Nesta tragédia, Allen integra as etapas <strong>do</strong> trágico como “efeito de sintaxe” que<br />

referi há pouco (advertência, procura da razão pelo mal…), mas com os recursos próprios<br />

<strong>do</strong> cinema. Assim, na sequência de abertura, os <strong>do</strong>is irmãos empreendem a primeira de<br />

uma série de ações (compra de um barco de lazer) que levará ao acontecimento patético<br />

final, mas empreendem-na sem consciência de que ela os compromete, os prende mais <strong>do</strong><br />

que julgam. O espeta<strong>do</strong>r sabe mais <strong>do</strong> que eles, não só porque o nome <strong>do</strong> barco, O sonho de<br />

Cassandra, remete para a personagem de Ésquilo, mas também porque, em pano de fun<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> plano em que os irmãos, em plano aproxima<strong>do</strong>, se entusiasmam perante a nova<br />

aquisição, se avista a carcaça de um barco, um barco imobiliza<strong>do</strong>, ferrugento, que anuncia a<br />

ruína futura <strong>do</strong> Sonho de Cassandra. Por outras palavras, o plano significa duplamente na<br />

profundeza de campo: no primeiro plano, para as personagens da diegese, a compra<br />

significa felicidade; no pano de fun<strong>do</strong>, para o espeta<strong>do</strong>r, a mesma compra significa a<br />

desgraça em devir.<br />

Esta atualização da tragédia ultrapassa os limites geográficos <strong>do</strong> Norte, pois a<br />

Orestia tinha já si<strong>do</strong> objeto de um projeto de adaptação por Pasolini num contexto africano<br />

(nomeadamente na África central pós-<strong>colonial</strong>). Nos seus Apontamentos para uma Orestia<br />

africana (1970), o realiza<strong>do</strong>r italiano passeia a sua câmara em cidades e paisagens a fim de<br />

juntar potenciais personagens e cenários. Considera que o mais importante eram a estrutura<br />

assim como os significa<strong>do</strong>s éticos da trilogia de Ésquilo (insiste no surgimento da justiça e<br />

da democracia na Atenas moderna que coloca na Tanzânia) e não a qualidade das<br />

personagens: «O meu filme terá um carácter extremamente popular» afirma ele a<br />

determina<strong>do</strong> momento. É certo que estamos longe, defende Pasolini, <strong>do</strong> classicismo grego,<br />

mas o sofrimento nas jovens nações em guerra e a tragédia no seio das famílias são<br />

pareci<strong>do</strong>s aos dessa época. 186<br />

186 É preciso acrescentar todavia que Pasolini não evita o recurso a figuras próprias <strong>do</strong> discurso africanista:<br />

recorre muitas vezes à metonimia para generalizar à escala <strong>do</strong> continente uma observação in loco. É aliás uma<br />

das críticas emitidas por um público de estudantes africanos ao qual mostra os seus «apontamentos». Um <strong>do</strong>s<br />

estudantes atrai a atenção <strong>do</strong> realiza<strong>do</strong>r ao afirmar que para eles a África não significa nada, pois vai <strong>do</strong> Índico<br />

ao Atlântico, tem diversidade: «Eu sou da Etiópia, não conheço África». Um outro não gosta quan<strong>do</strong> Pasolini<br />

fala de tribos: «Quan<strong>do</strong> falam da Itália, falam <strong>do</strong>s Italianos. Gostaria que ao falar <strong>do</strong> Congo, se falasse <strong>do</strong>s<br />

Congoleses».<br />

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