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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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externa e superior para explicar o carácter trágico das personagens. Assim sen<strong>do</strong>, Lourenço<br />

aceita um <strong>do</strong>s pressupostos de uma certa teoria <strong>do</strong> trágico: sem deuses, não há trágico. É<br />

não valorizar o facto de que, por um la<strong>do</strong>, em Antígona ou em Édipo ou ainda na Medeia de<br />

Séneca, grande parte da responsabilidade recai nos ombros <strong>do</strong> próprio herói trágico e, por<br />

outro la<strong>do</strong>, que mesmo o teatro clássico interrogava o papel <strong>do</strong>s deuses na origem da<br />

desgraça. 157 Lourenço toma ainda por adquiri<strong>do</strong> que a tragédia morreu e que existe hoje a<br />

possibilidade de um «trágico sem tragédia». (Lourenço, 1993: 29)<br />

E se a tragédia de facto desapareceu, se o trágico não encontra nela o suporte<br />

privilegia<strong>do</strong> para se dizer, coloca-se a hipótese de o não poder dizer. É desta constatação<br />

que teria nasci<strong>do</strong> um «trágico-outro», o que transparece nas peças de Beckett ou de<br />

Ionesco. 158 Lourenço vê nos novos autores uma das contradições <strong>do</strong> trágico: «abolir o<br />

trágico, exprimin<strong>do</strong>-o», o que significaria o seu fim. Ionesco ofereceria a melhor evidência<br />

desta impossibilidade de exprimir o trágico ao utilizar a expressão de «antiteatro» para<br />

descrever o seu próprio teatro. No decorrer <strong>do</strong> seu texto, Lourenço aponta quão erra<strong>do</strong>s<br />

teriam esta<strong>do</strong> os que explicaram a tragédia como sen<strong>do</strong> o lugar por excelência de expressão<br />

<strong>do</strong> trágico, e este como essência, âmago da tragédia: «A tragédia como expressão <strong>do</strong> trágico é<br />

por fatalidade original o lugar da revelação, e simultaneamente, da ocultação <strong>do</strong> trágico.»<br />

(Lourenço, 1993: 30. Ênfase de Lourenço). Assim entendida, a tragédia não pode ser a<br />

expressão <strong>do</strong> trágico. Os <strong>Trágico</strong>s recriavam, representavam destinos trágicos, tornan<strong>do</strong> o<br />

«trágico original inexpresso» possível num mo<strong>do</strong> estético, o que para ele seria anti-trágico. Dá<br />

deste mo<strong>do</strong> a entender que existiria um trágico que perderia a sua qualidade de trágico<br />

quan<strong>do</strong> transforma<strong>do</strong> em «imagem, espectáculo, objecto de cultura» (Lourenço, 1993: 31).<br />

Porém, ao cindir desta maneira trágico e tragédia, ao transformar o trágico, mesmo<br />

clássico, em essência dificilmente descritível, o autor não tem em consideração, por um<br />

la<strong>do</strong>, o discurso teórico que fez <strong>do</strong> trágico antes de mais um “efeito de sintaxe”, e, por<br />

outro la<strong>do</strong>, o facto de que sempre foi preciso um discurso, literário ou não, para<br />

transformar um indivíduo ou um acontecimento em personagem trágica ou em<br />

157 Em Édipo-Rei, Jocasta terá aliás palavras que, apesar da sua brevidade, sugerem que o lugar <strong>do</strong>s deuses na<br />

suposta máquina trágica não era assim tão central como o julgaram muitos teóricos. No início <strong>do</strong> 3º episódio,<br />

momento de remissão provisório para Édipo, ela percebe que este está envolvi<strong>do</strong> sem razão nos crimes que<br />

explicam a sua desgraça: «Faut-il se tourmenter sans trêve? L’homme est l’esclave du hasard; il ne peut rien prévoir<br />

à coup sûr». Escravo da sorte, <strong>do</strong> acaso e não <strong>do</strong>s deuses ou de uma profecia. Talvez, para parafrasear Paul<br />

Veyne, os Gregos não tenham (to<strong>do</strong>s) acredita<strong>do</strong> nos seus mitos.<br />

158 O la<strong>do</strong> dialético <strong>do</strong> pensamento de Lourenço – o que faz ao mesmo tempo a sua riqueza e a sua<br />

complexidade – é conheci<strong>do</strong> e ilustra-se no momento em que anuncia a «nova tragédia» depois de ter fala<strong>do</strong><br />

pouco antes <strong>do</strong> «túmulo da tragédia».<br />

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