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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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organizar os projetos de desenvolvimento, e assim contribui para o desqualificar,<br />

desproven<strong>do</strong>-o das suas prerrogativas mais importantes (Traoré, 1999: 59).<br />

Esta força que <strong>do</strong>mina a vida de muitos é para Traoré, mas não só, 127 muito mais<br />

perniciosa de que a força <strong>colonial</strong>, pois esta última tinha um rosto identificável, tal como os<br />

dita<strong>do</strong>res contra os quais muitos lutaram desde as independências. Traoré estabelece uma<br />

ligação clara entre o <strong>colonial</strong>ismo e o neoliberalismo:<br />

Entre les peuples sauvages et sans passé que nous étions, à coloniser, à civiliser, à<br />

développer, et les pays pauvres que nous sommes devenus, à démocratiser et à<br />

‘mondialiser’, il n’y a qu’un changement de vocable et de tactique. Le dessein des<br />

puissances occidentales reste, imperturbablement, le même: avoir la mainmise sur<br />

les ressources de nos sols et de nos sous-sols, en passant par le contrôle de nos<br />

espaces et de nos esprits. (Traoré, 1999: 125) 128<br />

Este sistema é tanto mais absur<strong>do</strong> se tivermos em conta que as próprias instâncias,<br />

pelo menos alguns <strong>do</strong>s seus dirigentes, 129 têm consciência <strong>do</strong> beco sem saída no qual<br />

obrigaram os Esta<strong>do</strong>s a entrar, pois é notória a alta taxa de fracasso <strong>do</strong>s Programas de<br />

Ajustamento Estrutural (Mustapha, 2006: 5). O que leva Traoré a concluir que as medidas<br />

impostas não só se traduziram em altos custos sociais, mas também em altos custos<br />

económicos, causa<strong>do</strong>res de um enfraquecimento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> ainda maior. A autora advoga<br />

então a presença <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, não da estrutura centraliza<strong>do</strong>ra herdada <strong>do</strong> coloniza<strong>do</strong>r, mas<br />

antes um Esta<strong>do</strong> descentraliza<strong>do</strong>, mais próximo de um sujeito transforma<strong>do</strong> em cidadão<br />

pela sua implicação nas decisões que o tocam diretamente. Porém, em vez desta<br />

127 Patrick Chamoiseau, no seu ensaio Écrire en pays <strong>do</strong>miné, que coloca ao escritor de to<strong>do</strong>s os Sul <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> a<br />

questão de saber como revelar no seu mais íntimo esta «<strong>do</strong>mination-qui-ne-se-voit-plus» (ou seja, a cultura<br />

naturalizada <strong>do</strong> coloniza<strong>do</strong>r), convoca regularmente o Velho Índio que, numa espécie de monólogo teatral,<br />

tece a genealogia que levou <strong>do</strong> <strong>colonial</strong>ismo às relações desiguais de poder inerentes à globalização neoliberal.<br />

Numa determinada altura, o Velho Índio descreve, com uma economia de palavras rara, o que se instalou<br />

entre Norte e Sul: «Le vieux guerrier me laisse entendre:.. dissipant une allégresse identique, je vis l’écart se<br />

creuser entre pays libérés et anciens Centres <strong>colonial</strong>istes. Les uns voyaient grimper les fastes de leur vie, les<br />

autres affrontaient l’effondrement des cours, l’extension de mille dettes… Derrière ces embarras, se<br />

profilaient quelques trusts invisibles, posés sur plusieurs Centres, et régulant la danse… Se développer à<br />

l’occidentale devint une lutte contre des goules innommées qui profitaient pourtant de nos<br />

‘Développements’…» (Chamoiseau, 1997: 132).<br />

128 No seu livro seguinte (Le viol de l’imaginaire), Traoré continua a estudar a relação direta entre <strong>colonial</strong>ismo e<br />

a ordem neoliberal, cada vez mais consciente, porém, das táticas mais sofisticadas da segunda: «A l’instar des<br />

maîtres d’hier – négriers, maîtres d’esclaves et colons –, ceux du jour se permettent de sanctionner et de<br />

priver des populations entières de leur droit à l’éducation, à la santé, à l’eau potable, à l’emploi. La prédation<br />

et la déshumanisation ont gagné en sophistication depuis la chute du mur de Berlin.» (Traoré, 2002: 19)<br />

129 O caso mais famoso é Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da Economia em 2001 e vice-presidente <strong>do</strong> Banco<br />

Mundial até 2000, que denunciou em Globalization and its Discontents (2002) o quão erra<strong>do</strong>s eram os planos <strong>do</strong>s<br />

IFI para o continente africano.<br />

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