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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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consideran<strong>do</strong> as mulheres objetos destina<strong>do</strong>s a satisfazerem os seus desejos. As elites<br />

políticas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> aparecem igualmente marcadas pelo corpo em expansão.<br />

Veja-se, por exemplo, o «gordíssimo ministro <strong>do</strong> comércio» presente na inauguração <strong>do</strong><br />

minimerca<strong>do</strong> de Caposso em 1991: come tu<strong>do</strong> o que lhe aparece à frente, «tanto fazia ser<br />

marisco, peixe, carne ou <strong>do</strong>ce» (Pepetela, 2005: 239); outros no mesmo lugar engolem<br />

grandes quantidades de champanhe.<br />

Este corpo desenha uma nítida fronteira entre o potenta<strong>do</strong> e o condena<strong>do</strong>, o<br />

segun<strong>do</strong> sofren<strong>do</strong> continuamente de malnutrição, de degradação física, como que<br />

<strong>do</strong>mina<strong>do</strong> por este corpo sofre<strong>do</strong>r. Esta fronteira entre os corpos de uns e de outros<br />

aparece na obra de Pepetela como inscrita desde tempos remotos: surge no tempo <strong>colonial</strong><br />

(em A Gloriosa Família, o narra<strong>do</strong>r insiste várias vezes na fome de que sofrem os escravos) e<br />

continua no tempo pós-<strong>colonial</strong>, como aponta exemplarmente este trecho de O Desejo de<br />

Kianda:<br />

Carmina chamou o cria<strong>do</strong> e encomen<strong>do</strong>u uma garrafa de champanhe, o mais caro<br />

francês, porque em Luanda foi sempre assim, temos fome e o melhor champanhe<br />

francês e uísque velho. Muitos morrem por ingerirem caporroto barato, destila<strong>do</strong><br />

clandestinamente com pilhas para acelerarem a fermentação, mas esses não contam,<br />

são os marginaliza<strong>do</strong>s <strong>do</strong> processo, deste e <strong>do</strong> anterior. (Pepetela, 2008: 73)<br />

No entanto, estas representações <strong>do</strong> corpo, apesar de participarem no retrato <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong>, desempenham também outro papel, nomeadamente no que tem a ver<br />

com o corpo <strong>do</strong> potenta<strong>do</strong>. Pois se o corpo <strong>do</strong> condena<strong>do</strong> remete em última instância para<br />

o seu estatuto de ser trágico, o <strong>do</strong> potenta<strong>do</strong>, por causa <strong>do</strong> distanciamento irónico, suscita<br />

um riso subversivo junto <strong>do</strong> recetor. Este facto verifica-se sobretu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> um narra<strong>do</strong>r<br />

descreve as disfunções de que são alvo algumas personagens. Em Jaime Bunda e a morte <strong>do</strong><br />

americano, por exemplo, o Governa<strong>do</strong>r de Benguela caracteriza-se antes de mais pelo “baixo<br />

corporal e material”. Eis a descrição feita pelo DO a Jaime Bunda: «o governa<strong>do</strong>r tem uma<br />

porcaria qualquer no intestino e está sempre a peidar» (Pepetela, 2003: 86). A ironia<br />

participa aqui na dessacralização da função tanto <strong>do</strong> governa<strong>do</strong>r como <strong>do</strong>s Serviços de<br />

Segurança (SIG no romance), já que estes tiveram de montar uma operação para descobrir<br />

quem teria flatulência durante as reuniões com o Primeiro-ministro: «Não havia dúvidas, os<br />

SIG tinham mais uma vez esclareci<strong>do</strong> um difícil enigma» (Pepetela, 2003: 87).<br />

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