24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

que levaram o Esta<strong>do</strong> independente congolês a se tornar um Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> (ou seja,<br />

a organização da nova dependência a partir da ex-metrópole). Aliás, o dispositivo da cena<br />

de exposição, ao mesmo tempo que transmite informação destinada ao recetor, anuncia os<br />

diversos efeitos de teatro no teatro que percorrem a peça. Lumumba (o bonimenteur<br />

encarrega<strong>do</strong> de vender uma marca de cerveja) encontra-se numa espécie de palco para<br />

vender a sua merca<strong>do</strong>ria, o dispositivo textual re<strong>do</strong>bran<strong>do</strong> desta maneira o dispositivo<br />

cénico virtual. Um <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is polícias belgas que observam a cena revela a identidade <strong>do</strong><br />

bonimenteur ao outro, mas igualmente ao recetor. Além disso, revela que o <strong>do</strong>no da marca é<br />

o próprio ministro belga da colónia. Este início pode assim ser li<strong>do</strong> como metáfora da<br />

tensão que estrutura a peça: Lumumba fala no palco da política enquanto o verdadeiro<br />

poder está no fora-de-palco.<br />

Como se vê, o teatro assume-se aqui como ficção em construção permanente, o<br />

que reforça o efeito de distanciamento. A didascália da segunda cena <strong>do</strong> ato I diz aliás que<br />

no meio das andanças («le va-et-vient») <strong>do</strong>s cria<strong>do</strong>s e consumi<strong>do</strong>res «instala-se um bar<br />

africano», ou seja, o espaço cénico constrói-se em frente <strong>do</strong> recetor, assumin<strong>do</strong>-se ao<br />

mesmo tempo como cenário (com objetos, luzes, barulho) e como espaço da ficção. A isto<br />

acrescenta-se um elemento estruturante da peça: a presença <strong>do</strong> Toca<strong>do</strong>r de sanza (Le joueur<br />

de sanza), que, pela sua função, comenta a ação, as declarações de personagens ou ainda<br />

anuncia um futuro sombrio («Le temps que j’annonce est le temps du sang rouge» I, 2),<br />

remeten<strong>do</strong> para uma espécie de coro (tão pouco seria erra<strong>do</strong> ver nele uma reminiscência da<br />

figura <strong>do</strong> griot ou conta<strong>do</strong>r que toca sanza para acompanhar uma narração). O mais<br />

importante é que este, à semelhança <strong>do</strong> recetor, sabe mais <strong>do</strong> que as próprias personagens,<br />

percebe antes de Lumumba as razões <strong>do</strong> seu fracasso.<br />

No capítulo dedica<strong>do</strong> ao Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> aludi à importância da metáfora<br />

teatral palco/fora-de-palco para retratar a tensão entre as manifestações <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<br />

<strong>colonial</strong> (o visível) e atores externos (ex-metrópoles coloniais, instituições financeiras<br />

internacionais…). A peça de Césaire evidencia igualmente este jogo de tensões entre o<br />

palco (as negociações em Bruxelas em 1960) e o fora-de-palco (a organização consciente <strong>do</strong><br />

fracasso económico <strong>do</strong> novo Esta<strong>do</strong> por Bruxelas). A famosa cena 4 <strong>do</strong> ato I – que analisei<br />

em parte no capítulo relativo ao Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> – ilustra paradigmaticamente esta<br />

tensão: por um la<strong>do</strong>, no palco oficial da História, os representantes políticos de ambos os<br />

países a negociarem a independência e, por outro la<strong>do</strong>, as personagens <strong>do</strong>s banqueiros que,<br />

na antecâmara da sala principal, organizam a transferência de poder para seu benefício.<br />

227

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!