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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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Jaime está a ouvir Lu e Cândi<strong>do</strong> a conversar. Este diz que, após o baila<strong>do</strong>, se<br />

deveria fazer um espetáculo com os “sem nome” da História. Lu responde que a culpa não<br />

é dela se os mitos só são feitos com os grandes (Pepetela, 2003: 478-479). Daí a<br />

necessidade para Jaime de acrescentar um epílogo com Mulaji, o «pobre pesca<strong>do</strong>r» na<br />

posição de narra<strong>do</strong>r. 284 Já anuncia outra personagem, a de Matilde, pois possui a capacidade<br />

de ver num futuro longínquo a sucessão de guerras que assolará o país, mas anuncia<br />

igualmente todas aquelas personagens que não têm sequer acesso às margens <strong>do</strong>s livros de<br />

História, as que morreram no anonimato:<br />

Nós somos os que não temos direito a ser perpetua<strong>do</strong>s, nós morremos mesmo<br />

quan<strong>do</strong> o nosso corpo morre de cansaço ou de veneno ou de alguma azagaia<br />

perfurante. E o meu espírito poderá protestar, se manifestar, enquanto o meu neto<br />

for vivo. Depois dele, ninguém mais se lembrará de mim, morri mesmo, em corpo e<br />

no espírito. (Pepetela, 2003: 482)<br />

É neste momento que a figura <strong>do</strong> escritor se sobrepõe realmente às suas<br />

personagens, pois foi ele que se lembrou, não da existência <strong>do</strong> pesca<strong>do</strong>r mas da<br />

necessidade de contar o seu ponto de vista. Queria notar aqui uma última vez que, ao<br />

transformar esta voz emudecida em personagem trágica, Pepetela inscreveu-se num<br />

contexto mais vasto marca<strong>do</strong> pelo desenvolvimento da literatura empenhada no após<br />

Segunda Guerra mundial. Se Pepetela – como Tansi e Nkashama – é claramente um<br />

escritor situa<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong> sartriano da palavra, é também um escritor que se inscreve na<br />

esteira de um Camus, muito próximo das posições de Sartre neste aspeto (Denis, 2000:<br />

276), relativamente à necessidade de dar a voz aos esqueci<strong>do</strong>s <strong>do</strong> processo e <strong>do</strong> discurso<br />

históricos. Antes de se começar a falar <strong>do</strong>s subalternos e das especificidades das literaturas<br />

pós-coloniais, o autor de La Peste defendeu a tal mudança de perspetiva. Num texto<br />

incontornável na genealogia <strong>do</strong> empenhamento, o discurso que pronunciou em Estocolmo<br />

em 1957 na cerimónia de entrega <strong>do</strong> Prémio Nobel, Camus remete para o terrível contexto<br />

sociopolítico para explicar que a função principal <strong>do</strong> escritor será comover o maior número<br />

possível de seres humanos «en leur offrant une image privilégiée des souffrances et des<br />

joies communes» (Camus, 1958: 13). Para chegar a uma representação deste tipo, deverá<br />

ainda transformar por completo o ponto de vista a partir <strong>do</strong> qual examina os sofrimentos e<br />

as alegrias da humanidade:<br />

284 Eis o que diz o narra<strong>do</strong>r logo a seguir ao diálogo entre Lu e Cândi<strong>do</strong>: «O drama ia continuar, portanto. Mas<br />

não persegui, toca<strong>do</strong> pela crítica de Cândi<strong>do</strong>, a arte só trata <strong>do</strong>s grandes deste Mun<strong>do</strong>. Por isso se acrescenta<br />

um Epílogo» (Pepetela, 2003: 479).<br />

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