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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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pré-coloniais também exerciam em maior ou menor grau uma certa violência, mas como o<br />

resumia bem um <strong>do</strong>s especialistas na questão:<br />

Une des critiques que l’on peut formuler à l’encontre du système <strong>colonial</strong> est que,<br />

plutôt que d’avoir éradiqué la violence qui existait déjà en Afrique, il n’opéra qu’une<br />

réorganisation des systèmes de coercition à ses propres fins. (Ellis, 2005: 41)<br />

Como é hoje conheci<strong>do</strong>, esta violência só foi possível porque os Outros <strong>do</strong> Sul<br />

tinham si<strong>do</strong> considera<strong>do</strong>s como menos humanos e representa<strong>do</strong>s como tal pelo Texto.<br />

Para retomar um conceito forja<strong>do</strong> recentemente por Santos (2009: 23-24), assistiu-se no<br />

Norte, durante a época <strong>colonial</strong>, à produção e à sedimentação de uma «linha abissal» entre<br />

seres humanos em função da cor da pele e <strong>do</strong> seu estatuto ontológico: <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de lá, o<br />

esta<strong>do</strong> de natureza, a selvajaria, a ausência de Esta<strong>do</strong> e de cultura, <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de cá, a<br />

humanidade, a divisão entre natureza e cultura, o Esta<strong>do</strong>. Veja-se a proximidade entre «as<br />

linhas abissais» de Santos e «the lines» de Mamdani. Ambos os autores apontaram, em<br />

alturas e contextos diferentes, para o facto de as divisões ou «fronteiras» estabelecidas pelo<br />

coloniza<strong>do</strong>r serem profundamente estruturantes. Eis o que dizia Mamdani:<br />

What we have before us is a bifurcated world, no longer simply racially organized,<br />

but a world in which the dividing line between those human and the rest less<br />

human is a line between who labor on the land and those who <strong>do</strong> not. This divided<br />

world is inhabited by subjects on one side and citizens on the other; their beliefs are<br />

dismissed as pagan on this side but bear the status of religion on the other […];<br />

their creative activity is considered crafts on this side and glorified as the arts on the<br />

other […]; in sum, the world of the ‘savages’ barricaded, in deed as in word, from<br />

the world of the ‘civilized’. (Mamdani, 1996: 61) 104<br />

Esta (re)produção de uma sociedade onde vivem de um la<strong>do</strong> cidadãos e <strong>do</strong> outro<br />

sujeitos também seria um outro lega<strong>do</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>colonial</strong> em certos Esta<strong>do</strong>s pós-<br />

coloniais, já que nalguns destes parece evidente a perpetuação de uma linha abissal entre<br />

uma minoria que goza de direitos e privilégios e uma maioria que não goza de (quase) nada.<br />

104 Já em 1951 Balandier definira a situação <strong>colonial</strong> como sen<strong>do</strong> percorrida por «divisões» de vários tipos<br />

(étnicas, religiosas, etc.) que remetiam em última análise para uma sociedade dicotómica. São divisões que<br />

podiam existir, segun<strong>do</strong> Balandier, antes da chegada <strong>do</strong>s coloniza<strong>do</strong>res mas que, em muitos casos, foram<br />

instrumentalizadas por eles. Além disso, houve outras claramente impostas pelo coloniza<strong>do</strong>r: «Mais la<br />

colonisation en apporta d’autres, que l’on pourrait qualifier de sociales, nées de l’action administrative et<br />

économique, de l’action éducative: séparation entre citadins et ruraux, entre prolétariat et bourgeoisie, entre<br />

‘élites’ et masses, entre générations […]» (Balandier, 2001: 21-22). Estas divisões remetem, em última<br />

instância, para uma macro-divisão, a que separa o «civiliza<strong>do</strong>» <strong>do</strong> «selvagem», espécie de linha abissal matriz<br />

de todas as divisões.<br />

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