24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

trágica, ou seja, é-o por causa de um recetor que o entende como tal. O recetor percebe<br />

antes dele que se encontra ao mesmo tempo <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> por forças que não controla e<br />

oposto, em posição de fraqueza, ao outro polo da conflitualidade trágica, Nubigoa. Na<br />

terceira parte (Deuxième soir), Mayam já proferiu o seu discurso e o Esta<strong>do</strong> central já<br />

respondeu pela imposição de um recolher obrigatório e <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de emergência em Bota.<br />

Malinda, o filho de Mayam, critica o poder mas percebe a sua força, pois, quan<strong>do</strong> Mayam<br />

lhe diz que «Nubigoa, c’est de la pacotille» (3. Deuxième soir), contrapõe-lhe «Nubigoa a le<br />

pouvoir, mon père» (3. Deuxième soir). Para o recetor, a resposta de Malinda adquire o<br />

estatuto de advertência e deveria igualmente sê-lo para Mayam, mas este, e nisso é de facto<br />

uma personagem trágica, desvaloriza-a.<br />

A partir deste momento, as advertências multiplicam-se, mas Mayam ignora-as ou<br />

menospreza-as, agin<strong>do</strong> assim como os reis <strong>do</strong> teatro grego cegos pela paixão, por uma<br />

parte deles que desconhecem, a parte que alberga a parte demens <strong>do</strong> seu ser e que acabará<br />

por os <strong>do</strong>minar. É o que acontece, por exemplo, quan<strong>do</strong> Mayam ameaça declarar a<br />

independência de Bota e rejeitar a influência da macro-estrutura. No fim da terceira parte, a<br />

presidente da câmara da capital da ilha previne Mayam de que um discurso seu num<br />

contexto de tensão com a capital se arrisca a suscitar mais violência por parte <strong>do</strong>s solda<strong>do</strong>s.<br />

(3. Deuxième soir) Apesar de consciente <strong>do</strong> perigo que representam os solda<strong>do</strong>s, uma espécie<br />

de abutre trágico sobre as personagens («… les bérets vont tirer sur la foule. Dans ce pays,<br />

l’armée ne sert qu’à ça.» 3. Deuxième soir), Mayam escolherá a via <strong>do</strong> confronto.<br />

Outra voz que adverte ou que anuncia o perigo é a de Zagoubinoa, o louco que<br />

intervém no início de algumas cenas como a voz enlutada que antevê o pior: «Je suis<br />

Zagoubinoa, la voix sombre qui sort du fond des tombeaux» diz no inicío da quarta parte<br />

(4. Troisième soir). Nesta peça, como aliás acontece com o Louco de La Parenthèse de sang ou<br />

com os loucos <strong>do</strong> romance L’anté-peuple <strong>do</strong> mesmo Tansi, Zagoubinoa leva o anúncio da<br />

desgraça aos homens que não conseguem, ou não querem, ouvir. Mpouloussou, a mulher<br />

de Mayam, fala na sexta parte (6. Quatrième soir) da influência <strong>do</strong> louco e acrescenta que<br />

estão presentes loucos em massa na capital, que ouvem a cidade, espalham as notícias<br />

como os boatos, anunciam o pior como o melhor. Mais à frente, no fim da sexta parte, o<br />

louco ainda se assume como uma espécie de consciência, nomeadamente <strong>do</strong> homem de<br />

poder: «Je suis la voix de pierre qui flotte dans les cerveaux. Depuis Hozana jusqu’au Bota.<br />

Le réveil de ceux qui <strong>do</strong>rment sera bien tragique» (6. Quatrième soir).<br />

275

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!