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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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intervenção essencial, pois a criança é também porta<strong>do</strong>ra da primeira advertência, etapa<br />

importante na sintaxe trágica: «Que si vous voulez vivre en paix, faut pas déranger<br />

monsieur Pérono» (Tableau I, scène 2). Mallot não toma o aviso da criança pelo que é e, ao<br />

ignorar o sinal, entra na cadeia de acontecimentos que levam à catástrofe final. Mais uma<br />

vez, cabe ao recetor à distância perceber o que significa realmente a réplica da criança: no<br />

contexto de uma tragédia, se houver uma probabilidade de a personagem trágica cair, ela<br />

cairá.<br />

O recetor também percebe que a disputa entre Perono e Mallot reproduz a<br />

conflitualidade trágica, ou seja, o conflito entre vontades opostas, entre polos antagónicos<br />

que só conseguirão resolver a tensão pelo desaparecimento de um deles. Saben<strong>do</strong> que<br />

Mallot precisa de petróleo e sen<strong>do</strong> o único fornece<strong>do</strong>r da região, Perono alerta-o para o seu<br />

poder sobre a população: «Ici, voyez-vous, monsieur l’instituteur, je suis tout. Absolument<br />

tout.» (Tableau 1, scène 3). Como Mallot não aceita a submissão, Perono acrescenta, no que<br />

soa como a segunda advertência para o recetor:<br />

Je suis le drapeau, la loi, la liberté, le droit, la prison, le diable et le bon Dieu, enfin.<br />

Vous voyez bien – tout. (Un temps.) Si bien que toute la région m’écoute et m’obéit,<br />

disons aveuglément. (Tableau 1, scène 3)<br />

Mais talvez <strong>do</strong> que nas outras peças de Tansi, Perono estabelece uma clara ligação<br />

entre o perío<strong>do</strong> <strong>colonial</strong> e o perío<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong>: através <strong>do</strong> ex-colono é encena<strong>do</strong> o<br />

enraizamento <strong>colonial</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong>. O que permanece com Perono não é só<br />

uma estrutura de poder bem como o exercício autoritário deste, mas igualmente um<br />

conjunto de representações que mantêm os sujeitos numa posição de inferioridade. Assim,<br />

para ele, to<strong>do</strong>s os negros são pigmeus e pouco importa que Mallot não o seja, pois <strong>do</strong> seu<br />

ponto de vista, Mallot será o que ele, Perono, decidir. No trecho seguinte, o «vazio»<br />

também remete para a população negra:<br />

Voyez-vous, depuis longtemps je n’ai jamais eu que du vide devant moi. Du vide en<br />

face. Un vide vierge. C’est énervant, le vide. (Un temps.) Vous êtes le seul qui allez<br />

m’obéir parce que je commande. Les autres, nom de Dieu, c’est la foutaise. Ils<br />

obéissent par paresse. J’en aurai au moins un, oui, au moins un qui obéira par<br />

conviction, <strong>do</strong>nc tendrement. (Tableau 1, scène 3)<br />

Perono relembra a maneira de ser e de pensar <strong>do</strong> colono descrito pelos pensa<strong>do</strong>res<br />

clássicos da situação <strong>colonial</strong> (Césaire, Fanon e Memmi): despreza o coloniza<strong>do</strong> mas não<br />

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