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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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Para ser breve, nos romances policiais clássicos, a narração, heterodiegética ou<br />

homodiegética, singular ou plural, por muito diversa que seja, não se põe a si própria em<br />

risco, não se revela enquanto construção artificial, ou ainda, não se assume como obra em<br />

construção, sob pena de romper o contrato que liga emissor e recetor. É neste ponto<br />

precisamente que Pepetela provoca, rompe com a tradição e, num mesmo gesto, inova de<br />

maneira radical. Em JB1, assistimos a uma espécie de “enlouquecimento” da narração com<br />

frequentes intervenções <strong>do</strong> autor critican<strong>do</strong> a maneira de contar <strong>do</strong>s seus narra<strong>do</strong>res,<br />

despedin<strong>do</strong> o primeiro para o chamar novamente no “Terceiro livro <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r”, depois<br />

de ter da<strong>do</strong> a palavra a uma personagem secundária. Mas é em JB2 que o escritor angolano<br />

desestabiliza os fundamentos da narrativa policial de maneira ainda mais subversiva. De<br />

facto, no momento exato de concluir (a dita convergência entre as duas narrativas), o<br />

narra<strong>do</strong>r dá um primeiro safanão na estrutura (“Já me fazem sinal <strong>do</strong>s basti<strong>do</strong>res, chegou a<br />

hora de terminar”). Pois, apesar de oferecer uma solução satisfatória <strong>do</strong> ponto de vista<br />

estrutural – com Júlio Fininho culpa<strong>do</strong> –, o “Primeiro epílogo possível” assume, ao mesmo<br />

tempo que com ele brinca, o la<strong>do</strong> muitas vezes superficial, e por assim dizer dececionante,<br />

<strong>do</strong> último capítulo da narrativa policial padrão; mas é <strong>do</strong> “Segun<strong>do</strong> epílogo possível” que<br />

surgirá o maior abanão, pois aqui é o autor que intervém para despedir o narra<strong>do</strong>r e propor<br />

a sua versão final: “Aqui entra pela primeira vez o autor para chamar as coisas pelos seus<br />

verdadeiros nomes.” A justaposição <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is epílogos torna impossível optar por uma<br />

solução, impede a conclusão e, escândalo supremo <strong>do</strong> ponto de vista <strong>do</strong> género, o fecho da<br />

narração.<br />

No entanto, este duplo epílogo podia também ser interpreta<strong>do</strong> como uma<br />

homenagem direta ao caráter fundamentalmente duplo de qualquer narrativa de enigma.<br />

Pois, apesar de tu<strong>do</strong>, Pepetela construiu uma narrativa policial, com o seu investiga<strong>do</strong>r, os<br />

seus suspeitos, com os seus efeitos de suspense, etc. Os teóricos também notaram a<br />

propensão <strong>do</strong> género não só para se afastar da norma genológica como também para<br />

integrar estas tentativas como marcas da própria prática narrativa.<br />

Esta capacidade de transgredir as regras e ao mesmo tempo de valorizar a<br />

transgressão torna o género extremamente dinâmico e aproxima-o <strong>do</strong> pólo de produção<br />

restrito (os romances mais “literários”), o qual, como é sabi<strong>do</strong>, faz também da<br />

originalidade, ou melhor, da procura da originalidade, o seu principal fator de distinção<br />

relativamente ao pólo de grande produção (as ditas paraliteraturas ou literaturas populares).<br />

Para além disso, não podemos esquecer que, no decorrer <strong>do</strong> século XX, a “grande”<br />

literatura vai, por sua vez, buscar ao romance policial elementos que lhe permitirão<br />

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