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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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personagens trágicas <strong>do</strong> teatro grego ou shakespeariano. Yoko-Ma anuncia-lhe o pior se<br />

continuar naquela via: «Vous plantez le vent, déesse/ Attendez-vous à moissonner<br />

l’ouragan» (Tableau II, scène 1).<br />

Oko-Brutus e Cleópatra irão a seguir ser interroga<strong>do</strong>s pelo Inspetor das<br />

consciências (General <strong>do</strong>s exércitos de Jullius Caïd Kaesaire, cujo papel pode ser<br />

interpreta<strong>do</strong> indiferentemente por um homem ou uma mulher, segun<strong>do</strong> a didascália inicial),<br />

que manifestamente deseja poupar Oko-Brutus e culpar Cleópatra em nome da razão de<br />

Esta<strong>do</strong> («aucune vie/ aucune misère/ ne peut être placée/ au-dessus des raisons/ de<br />

l’Empire», Tableau II, scène 3). À semelhança <strong>do</strong> que acontecia em Antoine m’a vendu son destin<br />

com Moroni/Riforoni, Oko-Brutus e Oko-Navès acabam por se envolver num conflito de<br />

contornos políticos (cobiçam ambos o poder) e priva<strong>do</strong>s (cobiçam ambos Cleópatra). O<br />

segun<strong>do</strong> mata o primeiro, mas, quan<strong>do</strong> entende que Cleópatra nunca cederá aos seus<br />

desejos, decide vendê-la ao Rei da Babilónia. No entanto, numa reviravolta final, Cleópatra,<br />

que entretanto dera sinais de submissão, aproxima-se de Oko-Navès e envenena-o.<br />

O que sobressai desta peça e a torna claramente pós-<strong>colonial</strong> é a figura de<br />

Cleópatra, figura da resistência à opressão. Tansi faz dela uma rainha negra, duplamente<br />

silenciada, porque mulher e porque negra: «l’Histoire reste fermée aux Nègres» diz a certa<br />

altura (Tableau 2, scène 1) para denunciar a troca de que é objeto entre Oko-Navès e Oko-<br />

Brutus. Neste contexto, a sua revolta final contra o assassino <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> aparenta-se a uma<br />

recuperação de um lugar na História. A réplica de Cleópatra que fecha a peça aponta<br />

precisamente no senti<strong>do</strong> da emergência de uma outra história: «La guerre est finie/ La<br />

conscience commence/ Nous allons ouvrir l’Histoire/ à tous les hommes.»<br />

Por fim, Une chouette petite bien bien osée (1995) confirma a evolução de que falava há<br />

pouco, a saber a associação <strong>do</strong> trágico ao polo <strong>do</strong> poder. Durante a primeira cena, 237 A<br />

Espécie de homem (aliás Rei deste mun<strong>do</strong>, ou ainda Madahousse), presidente de uma<br />

distopia, promete a Essayine, mulher que cobiça, que matará Emanu, um general, amigo<br />

seu, para a conquistar. Tanto Essayine como A Espécie de homem surgem <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s<br />

completamente por paixões, ou, para utilizar o conceito de Morin, pela parte demens <strong>do</strong> seu<br />

ser, a primeira pelo ódio e o segun<strong>do</strong> pelo amor. A Espécie de homem poderia recusar o<br />

pedi<strong>do</strong> de Essayine, ou seja, tem inicialmente a escolha, mas ao tomar a decisão errada<br />

provocará o início de uma cadeia funesta de acontecimentos. Como ele próprio o admite,<br />

237 À semelhança <strong>do</strong> que já tinha feito noutras peças, Sony Labou Tansi atribui a cada cena nomes<br />

aparentemente absur<strong>do</strong>s. Assim a primeira cena intitula-se «Scène avant-jardin».<br />

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