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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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Colocam-se aqui <strong>do</strong>is problemas: em primeiro lugar, este trabalho de desarticulação<br />

<strong>do</strong> código ganharia talvez mais pertinência num trabalho de cunho literário e não, como<br />

neste caso, de teor científico. Pois o problema <strong>do</strong> Texto não está tanto na sintaxe mas nas<br />

conotações veiculadas por ele. Em segun<strong>do</strong> lugar, a procura desenfreada da fórmula<br />

sedutora leva por vezes o autor a emitir truísmos ou propostas tão gerais que podem<br />

remeter tanto para o contexto africano como para qualquer outro. Trata-se de um das<br />

fraquezas apontada por Coronil (1992) numa das críticas mais pertinentes (e também mais<br />

ferozes) ao livro de Mbembe. De facto, quan<strong>do</strong> este define, por exemplo, a maneira como<br />

o sujeito africano se constitui, não se entende em que medida o ser africano seria diferente<br />

<strong>do</strong> seu homólogo europeu ou americano: «La constitution du soi africain comme sujet<br />

réflexif passe aussi par le faire, le voir, l’ouïr, le goûter, le sentir, le désir ou le toucher»<br />

(Mbembe, 2005: 16). Provavelmente a inovação deste trecho residiria na justaposição de<br />

infinitivos substantiva<strong>do</strong>s, estrutura pouco habitual, mas que acaba por ser entendida mais<br />

como preciosismo <strong>do</strong> que como audácia formal.<br />

Todavia é o terceiro capítulo («Esthétique de la vulgarité») que suscitou as críticas<br />

mais contundentes. Mbembe pretendia evidenciar uma certa conivência entre os<br />

<strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s e os <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>res, ambos partilhan<strong>do</strong> uma comum apetência pelo consumo<br />

tanto das suas forças como de bens materiais. Entre os <strong>do</strong>is polos da sociedade descrita<br />

pelo autor existiria assim uma relação de tipo refletora, onde cada um reproduziria o desejo<br />

de consumo que observaria no outro. A «poscolónia» de Mbembe corresponderia deste<br />

mo<strong>do</strong> ao lugar da tensão convivial, da «banalidade <strong>do</strong> poder», uma banalidade que o autor<br />

associava a uma estética não só da vulgaridade mas igualmente da obscenidade e <strong>do</strong><br />

grotesco.<br />

Tanto o substantivo «estética» como o adjetivo substantiva<strong>do</strong> «grotesco» remetem<br />

para o campo da representação literária e, de facto, Mbembe fundamenta em grande parte a<br />

sua descrição deste aspeto da «poscolónia» numa leitura de alguns textos <strong>do</strong> escritor<br />

congolês Sony Labou Tansi, se bem que, no fim <strong>do</strong> capítulo, o leitor fique sem saber se a<br />

«poscolónia» corresponde a uma observação de um certo real ou se o autor infere as suas<br />

observações a partir <strong>do</strong>s textos de Tansi. Como notava há pouco, Mbembe coloca deste<br />

mo<strong>do</strong> o texto literário no mesmo patamar <strong>do</strong> texto de teor sociológico ou antropológico,<br />

sem ter em conta que cada um destes textos contém, assim como encena, graus diferentes<br />

de verdades. Na altura da publicação de uma versão anterior em inglês, Fernan<strong>do</strong> Coronil<br />

apontava precisamente para esta questão:<br />

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