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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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No seu ensaio, começa por relembrar quão essencial se tornou para o poder o<br />

controlo <strong>do</strong> espaço público. Em primeiro lugar, trata-se de evitar tanto distúrbios como<br />

manifestações da oposição ao regime, o político sen<strong>do</strong> assim assimila<strong>do</strong> a uma espécie de<br />

delinquência. Daí, sem dúvida, a presença das forças de segurança que, de acor<strong>do</strong> com<br />

Ndjio, se aproveitam <strong>do</strong> seu papel para extorquir bens materiais aos cidadãos. Em segun<strong>do</strong><br />

lugar, consequência desta vontade de “limpar” as ruas <strong>do</strong>s sujeitos indeseja<strong>do</strong>s, o regime<br />

pretende estetizar (a palavra é de Ndjio) o espaço público, como se as ruas sem buracos, os<br />

cruzamentos, as avenidas, entre outros, concretizassem, no <strong>do</strong>mínio material, o desejo de<br />

expurgo/saneamento no <strong>do</strong>mínio social. Em terceiro lugar, o regime apodera-se <strong>do</strong> espaço<br />

público para expor/evidenciar os simulacros, os «fetiches» <strong>do</strong> dirigente: fotografias,<br />

pensamentos, etc. Por outras palavras, Biya tem de estar lá, de ocupar um lugar onde possa<br />

sempre ser visto:<br />

By invading the public <strong>do</strong>main with his effigies and portraits, and by bringing<br />

himself or His totems (‘images’) <strong>do</strong>wn to places where ordinary people can see or<br />

experience His multiple facets, the ruler manages to abolish the difference between<br />

His virtual presence and His real absence, between illusion and reality, fact and<br />

artefact. (Ndjio, 2005: 271)<br />

É neste contexto que aparecem os Carrefours de la joie, geralmente em bairros<br />

populares, de gente mais pobre, com bares (onde é servi<strong>do</strong> um álcool caseiro e barato),<br />

prostitutas, música… Aparentemente, estes Carrefours de la joie tornaram-se lugares onde<br />

impera o “baixo corporal”, onde as funções <strong>do</strong> corpo primam numa visão he<strong>do</strong>nística da<br />

vida social e da vida tout court. O que revelam, segun<strong>do</strong> Ndjio, é o hiato cada vez maior<br />

entre as classes sociais: de um la<strong>do</strong> da «fronteira» edificada pelo poder, a burguesia possui<br />

os seus próprios lugares de divertimento (associa<strong>do</strong>s à “civilização”, à educação, ao bom<br />

comportamento, ao requinte…), protegi<strong>do</strong>s pelas forças policiais; <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> da<br />

«fronteira», a festa popular, o desregulamento corporal e social, mas também uma crítica<br />

potencial ao poder, pois trata-se de corpos que escapam ao controlo, corpos “loucos” que<br />

invadem o espaço público. Nota-se que esta corporalização de parte <strong>do</strong> espaço público<br />

surge num contexto político marca<strong>do</strong>, por um la<strong>do</strong>, pelo fracasso <strong>do</strong> processo de<br />

democratização e, por outro, pelo aperto repressivo por parte <strong>do</strong> regime (Ndjio, 2005: 276).<br />

Os entrevista<strong>do</strong>s admitiram o carácter subversivo das suas práticas, pois não se<br />

trata só de se embebedarem, de contarem ane<strong>do</strong>tas sobre o casal presidencial ou de<br />

cantarem textos satíricos, ou ainda de terem relações sexuais em plena rua. Porque o<br />

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