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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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própria num novo despotismo. É o primeiro termo da alternativa que leva a melhor de<br />

acor<strong>do</strong> com a Rádio, na sua segunda intervenção, pois o comité militar de salvação pública<br />

teria si<strong>do</strong> «convaincu de complot contre la sécurité intérieure et extérieure de la Nation»<br />

(Nkashama, 1991: 14). Os militares, acrescenta a Rádio, são agora chama<strong>do</strong>s de «trai<strong>do</strong>res»<br />

que serão julga<strong>do</strong>s «avec la sévérité qui s’impose en pareil cas» (Nkashama, 1991: 14). Mais<br />

uma vez, o Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> autoritário precisa de exibir a sua potência, de surpreender<br />

os sujeitos ao recorrer a castigos exemplares. A descrição <strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s de execução pública<br />

denunciam a espetacularizão da morte, 217 ou seja, o Esta<strong>do</strong> exibe a sua potência a fim de<br />

inibir as veleidades de revolta.<br />

O que a Rádio evidencia é mais uma vez a utilização no fora-de-palco de uma<br />

violência extrema com o intuito de afirmar a autoridade <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Acrescenta-se ainda<br />

que, para a Rádio, esta exibição da violência se enraíza no mo<strong>do</strong> <strong>colonial</strong> de resolução <strong>do</strong>s<br />

conflitos:<br />

A l’exemple de nos colonisateurs sur qui nous prenons toujours le modèle de la<br />

chicotte et du nerf de vache, nous organiserons fréquemment ces spectacles<br />

formidables pour décourager toute velléité d’insoumission. Notre pays est acquis à<br />

la justice, à la démocratie agissante, à la liberté. (Nkashama, 1991: 23)<br />

Face ao monopólio da Voz oficial, o país torna-se aos poucos o «império das<br />

sombras emudecidas», o país das pessoas que não conseguem fazer-se ouvir face à<br />

prepotência da Rádio. Talvez a escolha de transformar as personagens em vozes, em<br />

vultos, possa ser entendida de maneira contraditória: num contexto de opressão, assiste-se<br />

à redução <strong>do</strong> corpo à sua voz, mas ao mesmo tempo as vozes ténues de Yimène, da<br />

Camponesa e da Narra<strong>do</strong>ra representam também a possibilidade de opor outras vozes à<br />

<strong>do</strong>minante, a da Rádio.<br />

Face ao Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong>, Yimène - segun<strong>do</strong> as vozes que a descrevem, está<br />

grávida de algo monstruoso (Nkashama, 1991: 18) e é muitas vezes associada a um<br />

ambiente aquático (Nkashama, 1991: 32-38) - encabeça uma procissão de dana<strong>do</strong>s<br />

aparentemente decidi<strong>do</strong>s a marchar contra o Esta<strong>do</strong>. No entanto, <strong>do</strong> pantanal surgem<br />

outros fantasmas, nomeadamente um «gendarme» que metonimicamente designa to<strong>do</strong> o<br />

217 Nota-se a alusão à morte violenta de Patrice Lumumba: «dispositif qui a été expérimenté à maintes reprises<br />

par le Chef de l’État lui-même, avec le succès que l’on sait, particulièrement sur la personne du Premier<br />

Ministre du pays, <strong>do</strong>nt il avait été le secrétaire particulier» (Nkashama, 1991: 14). Sabemos, desde De Witte,<br />

que, após a tortura e a execução, o corpo <strong>do</strong> Primeiro-ministro foi desmembra<strong>do</strong> e dissolvi<strong>do</strong> em áci<strong>do</strong> por<br />

mercenários belgas (De Witte, 2000: 223-311).<br />

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