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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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distintos e às vezes contraditórios. 286 Tal significa que as fontes da desgraça que atingiu<br />

milhões de Congoleses, para quem a figura <strong>do</strong> mal é tragicamente familiar, não se<br />

encontram somente no Norte global.<br />

No que tem a ver com a descrição das características <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> que<br />

esbocei no capítulo III, a perspetiva comparativa pareceu-me heuristicamente estimulante,<br />

deven<strong>do</strong> ser aprofundada na continuação deste projeto de investigação.<br />

A questão da natureza <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong>, das suas características e das suas<br />

representações leva a outra questão nesta paragem provisória. Trata-se de uma pergunta<br />

que aflorou em vários momentos desta investigação, e que remete para a postura <strong>do</strong><br />

investiga<strong>do</strong>r perante o seu objeto de estu<strong>do</strong>: além das características próprias das literaturas<br />

africanas (e.g. a sua inventividade formal, a utilização iconoclasta das línguas imperiais), o<br />

que poderá justificar o interesse por estas obras que provêm de um certo Sul? Parte da<br />

resposta foi dada ao estudar as características <strong>do</strong> Texto relativamente às origens <strong>do</strong> suposto<br />

Esta<strong>do</strong> falha<strong>do</strong> em África. O discurso <strong>colonial</strong> manteve-se de facto para além das<br />

independências e naturalizou-se numa variedade de suportes (romances, filmes, reportagens<br />

televisivas…) que conseguiram manter junto de um certo senso comum <strong>do</strong> Norte a<br />

representação de uma joia (a África no momento da independência) cuja degradação se<br />

deveria exclusivamente à incúria <strong>do</strong>s novos dirigentes.<br />

Perante a força deste discurso, torna-se necessário opor as outras vozes <strong>do</strong> Sul que<br />

descreveram um processo muito mais complexo, que apontaram para as responsabilidades<br />

tanto <strong>do</strong> <strong>colonial</strong>ismo como <strong>do</strong> neo<strong>colonial</strong>ismo e da globalização neoliberal, sem exonerar<br />

as elites locais das suas responsabilidades. No entanto, como assinalei, a complexidade <strong>do</strong>s<br />

trabalhos de um M’Bokolo ou de um Mamdani, ou ainda a quantidade de informações<br />

inéditas fornecidas por um Vangroenweghe, pouco podem para mudar justamente a força<br />

<strong>do</strong> Texto junto de um certo senso comum: pois, como tentei mostrar, a força deste reside<br />

justamente no seu simplismo.<br />

É aqui que as literaturas pós-coloniais podem vir a desempenhar um papel<br />

essencial, pois conseguem, mais <strong>do</strong> que um livro de História ou uma análise geopolítica <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong>, atingir um público que em parte corresponde ao senso comum<br />

sensibiliza<strong>do</strong> pelo Texto. Diria até que mais <strong>do</strong> que Tansi, Nkashama ou Pepetela, cabe à<br />

286 Assim, Paul Kagame, além da perseguição inicial <strong>do</strong>s responsáveis pelo genocídio de Abril-Junho de 1994,<br />

tinha como objetivo a constituição de um vasto hinterland no país vizinho não só para favorecer o<br />

desenvolvimento económico <strong>do</strong> Ruanda mas também para assegurar um espaço maior para um país cuja<br />

densidade populacional é uma das maiores <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> (Braeckman, 2009: 34-35).<br />

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