24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Torna-se assim cada vez mais patente a não pertinência <strong>do</strong> conceito de Esta<strong>do</strong><br />

falha<strong>do</strong>, assim como as suas implicações ideológicas, mais ou menos assumidas pelos<br />

autores. Na esteira <strong>do</strong>s trabalhos de Bayart, Chabal e Daloz, o que Niemann descreve é um<br />

Esta<strong>do</strong> que pode ser repressivo, que tem si<strong>do</strong> alvo de um processo de apropriação por<br />

parte de certas elites, mas que funciona só que num (e para um) campo restrito, o das elites<br />

em questão. 131 O que Niemann e Pureza descrevem ainda é um Esta<strong>do</strong> onde os sujeitos são<br />

muitos e os cidadãos poucos, 132 um Esta<strong>do</strong> onde não há quase redistribuição, mas, in fine,<br />

trata-se ainda de um Esta<strong>do</strong>: «The State in Africa is not different from states anywhere else;<br />

it fulfills its function, albeit one that may not be in accordance with widely held ideal<br />

notions of statehood» (Niemann, 2007: 22).<br />

Mais uma vez, a ficção consegue, pela sua capacidade de condensar/agregar<br />

nalgumas cenas o âmago de um fenómeno, descrever o mo<strong>do</strong> de funcionamento deste<br />

Esta<strong>do</strong> heterogéneo. Em Un fusil dans la main, un poème dans la poche (1973), romance <strong>do</strong><br />

congolês Emmanuel Dongala (1941), a personagem principal, Mayéla di Mayéla, encontra-<br />

se num hospital após ter si<strong>do</strong> torturada pelas forças de segurança de um Esta<strong>do</strong> pós-<br />

<strong>colonial</strong>, da<strong>do</strong> como uma clara distopia. Antes de ser transferi<strong>do</strong> para outro quarto por um<br />

médico que o quer salvar, experimenta uma sala comum destinada aos desgraça<strong>do</strong>s, aos<br />

mais pobres deste país nunca nomea<strong>do</strong>:<br />

La chambre était grande, propre, le lit bien fait et il y avait un petit coin-toilette<br />

pour lui tout seul. Il était servi par une infirmière bien propre et bien belle. C’était<br />

cela le pavillon des fonctionnaires. Il pensa à la salle où il se trouvait ce matin.<br />

nas quais vivem os sujeitos.<br />

131 Veja-se a gestão da água em Luanda. Como o mostrou Augusta Conchiglia (2008), enquanto a grande<br />

maioria da população da capital se abastece através de um sistema de distribuição priva<strong>do</strong>, pagan<strong>do</strong> caro um<br />

produto às vezes de má qualidade, uma minoria goza de um sistema de água canalizada mais barato (6,35 € o<br />

metro cúbico para os primeiros contra 0,50€ para os segun<strong>do</strong>s, de acor<strong>do</strong> com os da<strong>do</strong>s forneci<strong>do</strong>s pela<br />

autora). Neste caso, não se pode afirmar que o Esta<strong>do</strong> não funciona, pois tem uma Companhia das Águas;<br />

funciona, mas apenas em prol de alguns. Os mais pobres, os sujeitos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, cumulam assim vários<br />

problemas: pagam mais caro uma água, que também contribui para os seus problemas sanitários, o que<br />

Hodges já notava na sua «anatomia» de Angola: «Along with the poor quality of the water, the virtual absence<br />

of sanitations services in the slum areas is one of the main causes of the high rates of morbidity and mortality,<br />

particularly among young children» (Hodges, 2004: 30).<br />

132 Eis o que afirma Pureza de Angola, por exemplo: Angola seria o caso de um «Esta<strong>do</strong> artificial, um Esta<strong>do</strong><br />

sem cidadãos» (2007: 9), onde quase não há redistribuição, onde o que importa é a personalização das<br />

relações sociais. Noutras palavras, encontramos aqui um <strong>do</strong>s paradigmas possíveis <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> neopatrimonial<br />

descrito por Chabal: «In a neo-patrimonial system, political accountability rests on the extent to which<br />

patrons are able both to influence and meet the expectations of their followers according to well-established<br />

norms of reciprocity.» (Chabal, 2002: 89).<br />

140

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!