24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

O autor afirma que a razão moderna foi produzida como sen<strong>do</strong> única e hegemónica<br />

e que se globalizou à medida que a Europa invadia e colonizava territórios, mas o que<br />

parece não ter em conta é que este movimento de conquista teve o seu equivalente <strong>do</strong> la<strong>do</strong><br />

de cá da «fronteira». As histórias e os mo<strong>do</strong>s alternativos de pensar também foram alvo de<br />

um processo de apagamento e de esquecimento manipula<strong>do</strong>. Mais uma vez, as literaturas<br />

ocidentais fornecem um sem número de autores e textos que foram produzi<strong>do</strong>s como não<br />

existentes ou desqualifica<strong>do</strong>s em nome de julgamentos de valor estéticos.<br />

Entre os autores em questão saliento o trabalho de Olympe de Gouges (1748-<br />

1793), dramaturga, ensaísta, que defendeu o fim da escravatura (Zamore et Mirza ou<br />

l’Esclavage des Noirs, 1785) ou ainda os direitos da mulher (Déclaration des droits de la femme et de<br />

la citoyenne, 1791). De Gouges percebeu, antes de muitos, que a emancipação política<br />

prometida pela Revolução não incluía grande parte da humanidade. A posição radical de<br />

Mignolo impede-o de recuperar a obra de Olympe de Gouges para elaborar um<br />

pensamento «fronteiriço» basea<strong>do</strong> também em autores alternativos deste la<strong>do</strong> da<br />

«fronteira». 61<br />

Existe em Mignolo uma celebração <strong>do</strong> la<strong>do</strong> exterior da margem que desqualifica o<br />

interior da «fronteira»: entre ambos, diz ele, há uma «diferença irredutível», atitude que, por<br />

sua vez, o leva a ignorar/silenciar os discursos alternativos que o discurso hegemónico<br />

também silenciou e exilou para longe <strong>do</strong> centro. Assim menospreza a crítica de Nietzsche<br />

ao Cristianismo por ser proveniente <strong>do</strong> centro (faltar-lhe-ia a perspetiva <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> da<br />

«fronteira»). Todavia, a escolha <strong>do</strong> filósofo alemão como expoente máximo da crítica<br />

radical ao monoteísmo hegemónico no Ocidente participa, ela própria, da dupla operação<br />

de ignorância/silenciamento, pois ao distinguir uma das referências centrais <strong>do</strong> pensamento<br />

pós-moderno, Mignolo censura vozes que poderiam enriquecer um pensamento fronteiriço<br />

de crítica ao Cristianismo. 62<br />

Estas reservas não invalidam a pertinência para o meu propósito <strong>do</strong> pensamento<br />

fronteiriço defini<strong>do</strong> por Mignolo a partir de vários autores, entre os quais o romancista,<br />

61 Como é sabi<strong>do</strong>, a recuperação das vozes silenciadas pela modernidade ocidental faz parte <strong>do</strong> projeto<br />

defendi<strong>do</strong> por Santos em vários momentos <strong>do</strong> seu percurso. Eis, por exemplo, o que diz na Gramática <strong>do</strong><br />

tempo: «A transição pós-moderna é concebida como um trabalho arqueológico de escavação nas ruínas da<br />

modernidade ocidental em busca de elementos ou tradições suprimidas ou marginalizadas, representações<br />

particularmente incompletas porque menos colonizadas pelo cânone hegemónico da modernidade que nos<br />

possam guiar na construção de novos paradigmas de emancipação social» (Santos, 2006: 30).<br />

62 Penso aqui na desconstrução radical que operou o Padre Jean Meslier (1664-1729) no século XVIII. O<br />

Mémoire des pensées et des sentiments de Jean Meslier denuncia a servidão <strong>do</strong> homem pela religião e advoga o<br />

ateísmo como filosofia de vida (ver a edição de Baudry-Kruger, Hervé (2007) nas Edições Talus d’approche).<br />

67

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!