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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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enquanto «la vraie tragédie ne peut se produire que lorsque l’âme tourmentée croit qu’il est<br />

trop tard pour que Dieu lui par<strong>do</strong>nne» (Steiner, 1993: 326).<br />

O autor sugere não só que o mito era o único mo<strong>do</strong> de apreensão <strong>do</strong> real na<br />

suposta fase pré-racional da história, como também que <strong>do</strong>minava por completo to<strong>do</strong> o<br />

espectro social e que era encara<strong>do</strong> sem distanciamento. Como tentei demonstrar, as<br />

próprias tragédias evidenciavam, se não uma certa dúvida, pelo menos uma certa<br />

perplexidade relativamente a esta ordem divina (relembrar-se-ão <strong>do</strong>s comentários de<br />

Jocasta e de Antígona ou ainda <strong>do</strong> Coro). Para além disso, se aceitarmos que o cristianismo<br />

também é uma mega-narrativa que, numa perspetiva escatológica, permite a transformação<br />

da existência de um crente em narrativa que adquire e faz senti<strong>do</strong>, dificilmente podemos<br />

ver o cristianismo como anti-trágico por natureza. Tal como o cristianismo, a mitologia<br />

também tinha como pretensão dar ao homem uma narrativa completa, explican<strong>do</strong>-lhe a<br />

origem de tu<strong>do</strong> e dan<strong>do</strong>-lhe esperança para o após-morte.<br />

Além disso, há ainda que verificar a questão das épocas. Steiner afirma que não teria<br />

si<strong>do</strong> possível escrever tragédias após os mitos gregos terem perdi<strong>do</strong> o seu poder junto <strong>do</strong>s<br />

indivíduos. Acrescenta a seguir que grosso mo<strong>do</strong> os mo<strong>do</strong>s de imaginação da tragédia grega<br />

ter-se-iam perpetua<strong>do</strong> até Descartes e Newton. Ora o cristianismo enquanto narrativa<br />

explicativa há muito tinha substituí<strong>do</strong> os antigos mitos em grande parte <strong>do</strong> espectro social.<br />

O que se perpetuou não foram os mo<strong>do</strong>s em questão mas justamente o trágico como<br />

“efeito de sintaxe”. Pois com Shakespeare, Racine e Corneille não são os mitos como<br />

superstrutura, como narrativa, que se perpetuaram, mas um modelo, com personagens<br />

oriundas, mas nem sempre, da Antiguidade, algumas regras mais ou menos<br />

conscientemente recuperadas da Poética, e um trágico como “efeito de sintaxe”, com as<br />

etapas incontornáveis da advertência, da procura da culpa, da remissão momentânea…<br />

Além disso, o que Steiner avança a propósito da tragédia em vários momentos para<br />

sugerir a sua impossibilidade nos mun<strong>do</strong>s modernos e contemporâneos poderia certamente<br />

ser aplica<strong>do</strong> a romances, peças e filmes <strong>do</strong> nosso tempo. É o que acontece quan<strong>do</strong> aborda<br />

o propósito de qualquer tragédia. O que afirma sobre uma prática supostamente morta não<br />

poderia ser reutiliza<strong>do</strong> num comentário a Cassandra’s Dream?<br />

La tragédie voudrait nous faire savoir qu’il y a dans le fait même de l’existence<br />

humaine un défi ou un para<strong>do</strong>xe; elle nous dit que les buts des hommes sont<br />

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