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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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Este tipo de cruzamento permite ainda entender um <strong>do</strong>s elementos de primeiro<br />

plano no Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> representa<strong>do</strong> por Pepetela, a ligação entre os campos<br />

políticos e económicos. 279 À semelhança <strong>do</strong> que acontece com Carmina em O Desejo de<br />

Kianda, Caposso, a certa altura, associa intimamente uma posição importante no seio <strong>do</strong><br />

parti<strong>do</strong> no poder a vantagens materiais. É o que acontece quan<strong>do</strong> um quadro <strong>do</strong> parti<strong>do</strong><br />

propõe a Caposso participar na conspiração contra uma figura histórica, «comandante da<br />

guerrilha, considera<strong>do</strong> herói da luta de libertação» (Pepetela, 2005: 223). Caposso hesita em<br />

tomar a palavra em público contra a tal figura durante um Congresso, ainda que lhe tenham<br />

garanti<strong>do</strong> um lugar no comité central <strong>do</strong> parti<strong>do</strong>. A operação é perigosa, mas o<br />

protagonista percebeu o seu interesse: «Ser considera<strong>do</strong> um bom militante, um patriota, era<br />

um passo essencial para o progresso pessoal» (Pepetela, 2005: 224). Como as altas cúpulas<br />

encobrem toda a operação, Caposso deixa-se tentar: «Ascender ao comité central <strong>do</strong><br />

parti<strong>do</strong> conferia-lhe espantosa fonte de privilégios e imunidades, com direito a guarda-<br />

costas e tu<strong>do</strong>» (Pepetela, 2005: 225).<br />

Ter-se-á nota<strong>do</strong> neste ponto a proximidade entre Caposso e Bunda, por um la<strong>do</strong>,<br />

ambos estimula<strong>do</strong>s pelo sonho de enriquecer a tu<strong>do</strong> custo, e Caposso e Carmina, por<br />

outro. Valeria a pena reler O Desejo de Kianda em comparação com Preda<strong>do</strong>res, pois, como já<br />

referi, este parece em vários momentos uma releitura aprofundada <strong>do</strong> primeiro: temos duas<br />

representações bastante semelhantes <strong>do</strong> neo-burguês em ascensão (Carmina/Caposso),<br />

bem como duas representações de condena<strong>do</strong>s (Honório/Kapiangala), vítimas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

pós-<strong>colonial</strong>. Outro elemento que me leva a ver em Preda<strong>do</strong>res uma releitura de parte da<br />

própria obra prende-se com o facto de se encontrar, nalguns episódios secundários de O<br />

Desejo de Kianda, a possível fonte de núcleos semânticos importantes de Preda<strong>do</strong>res. Veja-se,<br />

por exemplo, o anónimo aleija<strong>do</strong> de guerra de Preda<strong>do</strong>res, cujo retrato ecoa no de<br />

Kapiangala: amputa<strong>do</strong> de ambas as pernas, reduzi<strong>do</strong> à mendicidade, alvo se não de<br />

desprezo pelo menos de indiferença por parte de uma burguesia que se desloca em carros<br />

de luxo. Eis o que responde a João Evangelista depois de este lhe dizer que não tinha<br />

dinheiro:<br />

279 Relativamente ainda à biografia <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong>, sabemos que a sua configuração se deve em parte<br />

às relações que mantém com países <strong>do</strong> norte. É nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, durante a estadia de Nacib, que o<br />

recetor reencontra o Esta<strong>do</strong> em questão. A certa altura, Susan, a namorada, apresenta-lhe Omar, um<br />

americano que faz lobby junto de eleitos americanos em prol <strong>do</strong> governo de Luanda. Aqui, revela-se o Esta<strong>do</strong><br />

pós-<strong>colonial</strong> enquanto peça no tabuleiro das relações internacionais. Omar é pago por Angola, mas também<br />

pela Nigéria para fazer pressões junto <strong>do</strong> norte (USA). Também faz lobby para S. Tomé contra Angola, apenas<br />

por «profissionalismo», no ramo <strong>do</strong> petróleo (Pepetela, 2005: 191). A corrida às matérias-primas também<br />

explica em parte a posição <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> no sistema-mun<strong>do</strong>.<br />

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