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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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Angola como fazem os portugueses à terra da minha rainha, <strong>do</strong>na da minha mãe?<br />

Mas então Rodrigo? Seria só de Luanda? Talvez. (Pepetela, 1997: 175)<br />

Como o escravo não desenvolve este raciocínio, cabe então ao recetor levá-lo até o<br />

fim: o que o narra<strong>do</strong>r antevê é o surgimento de algo de novo, de um país novo, de uma<br />

nova fronteira que emerge de um espaço matricial. Esta Luanda romanesca aparece então<br />

como espaço sujeito a duas forças contraditórias, uma centrífuga corresponde ao lugar a<br />

partir <strong>do</strong> qual se constrói o país e outra centrípeta atrai para si os elementos que dela<br />

nasceram. Benvin<strong>do</strong>, um <strong>do</strong>s filhos mestiços de Baltazar Van Dum, cumula estas duas<br />

forças contraditórias numa tensão dificilmente redutível. Por um la<strong>do</strong>, deseja sair de<br />

Luanda para criar algo novo em Benguela (força centrífuga) mas, por outro la<strong>do</strong>, terá de<br />

viver numa cidade, dividida entre portugueses e holandeses, que não deixa nenhum espaço<br />

a seres fronteiriços. A sua natureza impede-o de voltar para Luanda (força centrípeta). É o<br />

que transparece no diálogo seguinte entre Benvin<strong>do</strong> e o pai:<br />

-E tu vais viver em que parte da cidade? – perguntou Baltazar. Na <strong>do</strong>s holandeses<br />

ou na <strong>do</strong>s portugueses?<br />

-Só lá é que poderei saber.<br />

-O mais certo é não poderes viver nem numa nem na outra. Não vês que pertences<br />

a Luanda, que só aqui não és um estrangeiro? (Pepetela, 1997: 189)<br />

Aparentemente é nesta Luanda ficcional que, com os Van Dum, começa a emergir<br />

uma classe de mestiços, origem de uma cultura nova. É aliás o que o escravo-narra<strong>do</strong>r<br />

observa a certa altura. Se tem alguma dificuldade em entender algumas atitudes <strong>do</strong>s<br />

brancos, «com esta família ainda era mais complica<strong>do</strong>, pois por vezes reagiam como<br />

brancos e de outras vezes até pareciam a nossa gente <strong>do</strong>s kimbos» (Pepetela, 1997: 350).<br />

No entanto, como aludi há pouco, uma fronteira permanece intransponível, a<br />

fronteira que segrega os sexos, particularmente a que proíbe a uma branca envolver-se<br />

sexualmente com um escravo. A relação de Rosário Van Dum com Thor, um escravo<br />

recém-chega<strong>do</strong> ao quintal, ocupa um lugar particular na economia global <strong>do</strong> romance. Mais<br />

uma vez, só o narra<strong>do</strong>r antevê as consequências desta transgressão de fronteira. Chama ao<br />

episódio um drama, mas este evidencia igualmente as características de um enre<strong>do</strong> trágico.<br />

Como vimos no capítulo dedica<strong>do</strong> ao trágico, normalmente os seres trágicos não entendem<br />

que o são, pois não conseguem interpretar corretamente os sinais anuncia<strong>do</strong>res da desgraça<br />

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