24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

A hibridação como limite experimenta<strong>do</strong> na «fronteira» encontra-se em grande<br />

parte celebrada nos textos de Ribeiro e Mignolo. Para o primeiro, seria difícil pensar<br />

identidades híbridas ou mestiças sem «fronteiras», pois radica na «fronteira» o que<br />

fundamenta este tipo de subjetividade: a plurivocidade, a ambiguidade, a heterogeneidade. 59<br />

É consciente das tensões e relações desiguais de poder inerentes às identidades híbridas que<br />

Ribeiro estuda o fenómeno fronteiriço. Na sua conceção, a «fronteira» não tem delimitação<br />

clara, ou seja, o autor recusa «a noção de que a “linha” de fronteira define rigidamente uma<br />

binaridade entre um dentro e um fora, o totalmente familiar e o inteiramente estranho, não<br />

consentin<strong>do</strong>, assim, qualquer mo<strong>do</strong> de mediação ou de articulação» (Ribeiro, 2001: 471). O<br />

que propõe então? «A fronteira é um medium de comunicação, o espaço habitável em que o<br />

eu e o outro encontram uma possibilidade de partilha e, assim, a possibilidade de dar<br />

origem a novas configurações de identidade» (Ribeiro, 2001: 471).<br />

Além da importância da «fronteira» para repensar as identidades contemporâneas,<br />

Ribeiro considera indispensável utilizar a metáfora para analisar o conceito de cultura. Pois<br />

se este só existe «onde há interacção e relacionamento com o diferente», então as<br />

«fronteiras» são o seu lugar de predileção. Entende-se que, para o ensaísta, tanto a<br />

celebração utópica da abolição da «fronteira» como a indiferenciação perante ela impedem<br />

que se perceba quão importantes são os limites, as «fronteiras», os marcos para conceber o<br />

fenómeno cultural. 60 De facto, para me cingir à literatura, sabe-se quão importantes são os<br />

limites diversos que percorrem o campo literário.<br />

59 A cristalização das «fronteiras» identitárias, a conceção da identidade como sen<strong>do</strong> homogénea, fixa,<br />

determinada logo à nascença, é relativamente recente. Entre os escritores pós-coloniais que deram<br />

testemunho de «fronteiras» mais porosas, de identidades ricas em múltiplas determinações, se bem que<br />

atravessadas por tensões por vezes violentas, gostaria de destacar Amin Maalouf, o escritor libanês que num<br />

trabalho de arqueologia familiar (Origines) evidenciou os efeitos da vida na «fronteira». No extrato seguinte,<br />

fala da multiplicidade de denominações e de pertenças que caracterizavam tanto os seus avós como grande<br />

parte da população libanesa de finais <strong>do</strong> século XIX: «Dans l’esprit de mes grands-parents, ces appartenances<br />

diverses avaient chacune sa ‘case’ propre: leur État était ‘la Turquie’, leur langue était l’arabe, leur province<br />

était la Syrie, et leur patrie la Montagne libanaise. Et ils avaient, bien entendu, en plus de cela, leurs diverses<br />

confessions religieuses, qui pesaient sans <strong>do</strong>ute dans leur existence plus que le reste. Ces appartenances ne se<br />

vivaient pas dans l’harmonie, comme en témoignent les nombreux massacres que j’ai déjà évoqués; mais il y<br />

avait une certaine fluidité dans les appellations comme dans les frontières, qui s’est perdue avec la montée des nationalismes.»<br />

(Maalouf, 2004: 257. Ênfase minha).<br />

60 O debate sobre as fronteiras da União Europeia tornou-se mais premente em alguns países como a França e<br />

a Alemanha por causa da candidatura da Turquia. Para os críticos da entrada da Turquia na EU, a fronteira<br />

física corresponderia a uma «fronteira» cultural e religiosa que permitiria aos europeus definirem-se como tal.<br />

Do la<strong>do</strong> de lá, um país da Ásia Menor, laico, mas com uma população maioritariamente muçulmana, de<br />

cultura turca, e, <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de cá, um conjunto de países, laicos, que teriam em comum uma herança cristã. Estes<br />

<strong>do</strong>is blocos, supostamente homogéneos, não passam, claro, de uma ficção. Na realidade, a «fronteira» entre a<br />

Turquia e muitos países da UE é muito mais permeável <strong>do</strong> que o desejariam Nicolas Sarkozy e Angela<br />

Merkel. Para permanecermos no <strong>do</strong>mínio das representações, nos filmes <strong>do</strong> realiza<strong>do</strong>r turco-alemão Fatih<br />

Akin, a «fronteira» entre ambos é claramente vivida, graças aos imigrantes, como sen<strong>do</strong> um lugar de encontro<br />

(de pessoas, de música, etc.) onde mesmo as línguas coexistem.<br />

64

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!