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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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Cita<strong>do</strong> por muitos, objeto de extrapolação, a Poética de Aristóteles constitui um<br />

ponto de partida, inevitável marco, tanto para pensar o trágico e a tragédia como, de mo<strong>do</strong><br />

mais geral, para entender o fenómeno literário. Acrescenta-se ainda que o texto está na<br />

origem <strong>do</strong> metadiscurso ti<strong>do</strong> sobre o literário: como falar de um texto, e em particular de<br />

um texto de teatro? Para que descrever as estratégias e as figuras utilizadas pelos escritores?<br />

Assim, a maneira como Aristóteles evidencia a fábula de Efigénia, antes de descrever os<br />

episódios a fim de comprovar a primazia da história sobre os outros componentes de uma<br />

tragédia, será recuperada pelas poéticas contemporâneas <strong>do</strong> texto teatral (Ubersfeld, 1996;<br />

Prunier, 1998).<br />

Por fim, partir de Aristóteles para descrever o trágico como “efeito de sintaxe”<br />

permite entender como este se perpetuou, com variações é certo, mas sempre com<br />

referência a uma estrutura sintática assaz estável, noutras práticas literárias (o romance) ou<br />

artísticas (cinema).<br />

A Poética não é um trata<strong>do</strong> sobre o trágico na sua aceção filosófica – o leitor não<br />

encontrará ali uma reflexão relativa ao senti<strong>do</strong> trágico da vida – nem sobre a tragédia como<br />

reflexo possível <strong>do</strong> social ou ainda sobre o papel desta na democracia ateniense. Antes de<br />

reler a Poética, é preciso não perder de vista o seu projeto: descrever o mo<strong>do</strong> de<br />

funcionamento <strong>do</strong> texto trágico, entender como os melhores (e entre eles, primus inter pares,<br />

Sófocles) conseguiram uma «boa» tragédia. Eis o que Aristóteles afirma sem qualquer<br />

ambiguidade no capítulo XIII: «Il va falloir parler du but à viser, des erreurs à éviter<br />

lorsqu’on agence des histoires, ainsi que du moyen de produire l’effet propre à la tragédie.»<br />

O trágico, como veremos mais à frente, radica justamente neste «efeito inerente à tragédia».<br />

Encontramo-nos assim perante um trata<strong>do</strong> cujo horizonte teórico se restringe à estética. É<br />

o que defende uma das especialistas contemporâneas da obra <strong>do</strong> filósofo grego:<br />

[…] Selon l’interprétation esthétique, la Poétique théorise un <strong>do</strong>uble processus de<br />

production : celui d’une intrigue, qui <strong>do</strong>it à son tour produire les affects de terreur<br />

et de pitié, sources du plaisir propre au tragique. Ce type d’interprétation est<br />

rigoureusement fidèle à la lettre du texte aristotélicien. (Klimis, 2003: 466)<br />

Rigorosamente fiel à letra <strong>do</strong> texto aristotélico, este tipo de interpretação vê com ceticismo<br />

as leituras que procuram neste mais <strong>do</strong> que ele tem para dar. É o que acontece, por<br />

exemplo, com outro especialista <strong>do</strong> trágico e da tragédia grega. José Serra deplora que a<br />

Poética não proponha nenhuma «cosmovisão trágica» e que deixe na ambiguidade algumas<br />

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