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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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trágica estaria pois intimamente liga<strong>do</strong> à linguagem, algo que, de maneira prosaica, se<br />

poderia resumir da seguinte maneira: «Já te tinha avisa<strong>do</strong>», subentende-se, «mas fizeste-o<br />

apesar disso».<br />

Nada estaria mais afasta<strong>do</strong> <strong>do</strong> trágico, segun<strong>do</strong> Domenach, <strong>do</strong> que a sua frequente<br />

associação à fatalidade:<br />

Au contraire de la mécanique abstraite avec laquelle on l’assimile d’ordinaire, le<br />

tragique est éminemment personnalisé : est tragique l’événement qui, arraché aux<br />

déterminismes communs, et souvent les contredisant, tire sa détermination de<br />

l’individu qu’il atteint. (Domenach, 1967: 38)<br />

Ao contrário <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente paranóico que vê o mal em tu<strong>do</strong> e intenções secretas em<br />

qualquer palavra, o herói trágico julga saber quem ele é e não nota os indícios que se<br />

acumulam e o encurralam (Domenach, 1967: 39). Disto decorreria o mal, pois o herói<br />

ignoraria o próprio destino, por não se achar implica<strong>do</strong>; ilude-se e desconhece o que to<strong>do</strong>s<br />

os outros sabem ou pressentem (Édipo é a figura paradigmática).<br />

Torna-se claro que o herói não sabe ou não consegue interpretar, mas tal não basta<br />

para produzir o efeito trágico, sen<strong>do</strong> preciso uma situação propícia ao surgimento das duas<br />

emoções trágicas. Entre outras configurações possíveis, Aristóteles destaca a eficácia da<br />

combinação acontecimento patético/piedade-temor no seio da mesma aliança, como, por<br />

exemplo, quan<strong>do</strong> se manifesta numa personagem a vontade, concretizada ou não, de<br />

assassinar alguém da sua família. Nesta configuração, o sucesso da tragédia deve-se, por um<br />

la<strong>do</strong>, ao «bom» uso que o poeta faz de da<strong>do</strong>s preexistentes (capítulo XIV) e, por outro<br />

la<strong>do</strong>, à gestão por parte deste <strong>do</strong> saber da personagem. Assim, esta pode conhecer a sua ou<br />

as suas vítimas, e atuar na plena consciência de quem está a matar (Medeia), mas pode<br />

também desconhecer a vítima e reconhecê-la somente após o ato (Édipo). Ainda segun<strong>do</strong><br />

Aristóteles, é nesta configuração que o trágico se revela mais intenso, que se impõe de<br />

maneira mais forte ao recetor por o acontecimento patético ser terrível (XIV). É óbvia aqui<br />

a associação <strong>do</strong> trágico a um efeito e não a uma condição determinada da personagem. É o<br />

que afirma sem ambiguidade num capítulo ulterior: «Avec les péripéties et les actions<br />

simples, les poètes recherchent les effets de surprise désirés; c’est en effet cela qui fait naître<br />

le tragique et la sympathie […]» (XVIII).<br />

As etapas desta sintaxe trágica estruturam o texto trágico e dão-lhe, em grande<br />

parte, o seu significa<strong>do</strong>. <strong>Geral</strong>mente, o início de uma tragédia condensa algumas delas. É o<br />

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