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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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contexto é o de controlo <strong>do</strong> espaço público pelo regime através da sua limpeza, da sua<br />

moralização, da sua estetização, qualquer desvio relativamente à norma imposta ganha<br />

contornos políticos. O «fetiche» que Mbembe interpretava como um objeto de culto e de<br />

a<strong>do</strong>ração, tanto na esfera pública como privada, torna-se aqui alvo de uma iconoclastia<br />

invisível na «Esthétique de la vulgarité», pois defecar e urinar nos retratos/totens <strong>do</strong> Chefe<br />

significa muito mais <strong>do</strong> que o exercício de uma simples função corporal. 94 Na sua<br />

conclusão, Ndjio insiste num facto importante, que Mbembe não teve em conta: a<br />

<strong>do</strong>minação por parte <strong>do</strong> poder nunca é completa, haven<strong>do</strong> sempre algo que lhe escapa (um<br />

bairro, alguns bares, corpos). Os sujeitos nunca aceitam totalmente o tipo de socialização<br />

imposta pelo poder e, mais importante, não aceitam com tanta facilidade a tensão convivial<br />

– na maior parte <strong>do</strong>s casos, só dançam à beira da estrada para celebrar Biya, ou um Chefe<br />

de Esta<strong>do</strong> estrangeiro, quan<strong>do</strong> obriga<strong>do</strong>s – que Mbembe achava ser central na<br />

«poscolónia».<br />

Por fim, Ndjio evidencia que a suposta dicotomia «plebe» vs Poder, que<br />

encontrámos em Mbembe, é antes de mais o resulta<strong>do</strong> de um processo de inclusão de<br />

cidadãos/exclusão de sujeitos no contexto de uma cidade (Yaoundé neste caso, mas<br />

segun<strong>do</strong> Ndjio, o mesmo se observaria noutras capitais da região) dividida por diversas<br />

«fronteiras»: os grupos sociais não se encontram, não partilham espaços (de lazer ou de<br />

trabalho). Os limites físicos assim impostos pelo poder para separar os <strong>do</strong>minantes <strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s estruturam o espaço público e, em princípio, impedem a expressão da<br />

dissidência assim como da indecência, ambas sujeitas à repressão policial, o que é revela<strong>do</strong>r<br />

não da obscenidade <strong>do</strong> regime de Biya, mas antes <strong>do</strong> seu la<strong>do</strong> conserva<strong>do</strong>r e moral.<br />

Estes equívocos e aproximações por parte de Mbembe talvez tenham a sua origem,<br />

por um la<strong>do</strong>, num pressuposto ideológico (o afro-pessimismo que o assemelha a um Smith)<br />

e, por outro, numa falta de contextualização <strong>do</strong>s problemas da «poscolónia». O autor<br />

afirmava descrever o fenómeno em questão a partir <strong>do</strong>s Camarões, mas cita<br />

principalmente, com os problemas que levantou Coronil, um autor da República <strong>do</strong> Congo.<br />

Na «Esthétique de la vulgarité», a espessura histórica desaparece – à semelhança <strong>do</strong> que<br />

acontece em grande parte <strong>do</strong> Texto – em prol de uma sucessão de propostas assaz<br />

contraditórias, o que tem como principal efeito inviabilizar uma definição clara <strong>do</strong> que o<br />

autor entende por «poscolónia» (ou então leva-o a delinear uma definição tão vaga que<br />

94 «By symbolically killing the Father of the Nation, whom they hold responsible for their misfortune, the<br />

Carrefour de la joie dancers have mischievously carried out a coup d’état against the established regime, without<br />

the knowledge of the security forces or the presidential guard. A symbolic plot has enabled them to recover<br />

their free<strong>do</strong>m and liberty which had been confiscated by the authoritarian power.» (Ndjio, 2005: 288)<br />

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