24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

que acontece em Édipo Rei. A peste que assola Tebas provoca lamentações <strong>do</strong>s habitantes<br />

junto <strong>do</strong> seu rei: de onde provém o mal? Por que razão será preciso sofrer tanto? Édipo<br />

responde que man<strong>do</strong>u o seu cunha<strong>do</strong>, Creonte, consultar Apolo a fim de saber o que ele,<br />

Édipo, deveria fazer para remediar aos males. Logo de início se vincula à palavra<br />

pronunciada: «Je serais bien fautif si je n’exécutais à la lettre les instructions de l’oracle»<br />

(Sophocle, 1964: 106-107). O que este verso evidencia logo à partida são três <strong>do</strong>s mais<br />

importantes momentos da sintaxe trágica: a culpa, a advertência, a palavra prévia que<br />

compromete o herói.<br />

Ter-se-á nota<strong>do</strong> que a desolação e a desgraça não aparecem aqui no decorrer da<br />

tragédia, mas logo no seu início. Só que, neste momento inicial, o sofrimento é coletivo, e é<br />

coletivo porque, de acor<strong>do</strong> com o oráculo, uma mácula individual anterior à peste pesa no<br />

destino de Tebas. Para o coletivo sarar o mal que o faz sofrer terá de encontrar e castigar o<br />

indivíduo na origem <strong>do</strong> mal, daí advin<strong>do</strong> a tensão estruturante entre <strong>do</strong>is polos comuns a<br />

muitas tragédias, o individual vs o coletivo.<br />

No primeiro episódio, Édipo anuncia – mais uma vez a palavra que expõe e expele<br />

o herói – o que espera o responsável pelo crime primordial (o assassínio <strong>do</strong> antigo rei<br />

Laio). Sem o saber, já está a fechar todas as portas, a reduzir as alternativas e, deste mo<strong>do</strong>, a<br />

abrir a via real ao trágico, pois o que anuncia constituirá de facto o seu próprio destino:<br />

vaguear, pobre, aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s. Domenach notou que em qualquer tragédia há<br />

antes de mais um ato de palavra, uma palavra que compromete – neste caso, que prende –<br />

mais fortemente <strong>do</strong> que um gesto.<br />

Outro momento essencial é o da revelação da identidade <strong>do</strong> responsável, o que se<br />

confunde muitas vezes com uma reflexão sobre a responsabilidade. É o que acontece<br />

quan<strong>do</strong> Tiresias, adivinho cego, afirma a Édipo que este é o único responsável pela própria<br />

desgraça, se bem que o desconheça. Mais uma vez, a palavra importa e impera, pois<br />

Tiresias abre a sua tirada da seguinte maneira: «Je déclare que tu es, à ton insu, lié d’un nœud<br />

infâme avec ceux que tu chéris le plus au monde et que tu ne soupçonnes pas l’étendue de<br />

tes malheurs». À semelhança de outras personagens trágicas, Édipo, neste momento<br />

inaugural, interpreta mal o que lhe é dito. Acusa o adivinho de conluio com Creonte de<br />

maneira a facilitar o acesso deste ao trono. Na sintaxe <strong>do</strong> trágico, as advertências repetem-<br />

se, amontoam-se em torno da personagem, que as rejeita ou as interpreta mal.<br />

Relativamente à atribuição da origem da desgraça, como já vimos nas páginas anteriores,<br />

seria erra<strong>do</strong> apontar o de<strong>do</strong> aos deuses, pois o próprio Tiresias deixa claro que Édipo é o<br />

204

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!