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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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portas da prisão, ou seja, antes de voltar ao espaço público. Do ponto de vista da gestão <strong>do</strong><br />

espaço teatral, tal significa que, apesar de ocupar o espaço atual da ação (o palco), morre<br />

nos basti<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (o fora-de-palco).<br />

No ano seguinte, Labou Tansi retomaria o tema da tragédia <strong>do</strong> poder na sua<br />

reescrita de uma peça de Shakespeare, Moi, veuve de l’empire. A didascália técnica aponta para<br />

alguns efeitos de distanciamento relativamente ao original, como a degradação <strong>do</strong>s nomes.<br />

Veja-se a transformação de Jules César em «Jullius Caïd Kaesaire»: a duplicação <strong>do</strong> ‘l’, a<br />

adjunção <strong>do</strong> substantivo «Caïd» assim como a grafia de César, que o transforma em quase<br />

Kaiser, indicam a intenção paródica <strong>do</strong> autor. A descrição da relação entre Jullius Caïd<br />

Kaesaire e Oko-Navès faz da peça uma clara tragédia <strong>do</strong> poder: o segun<strong>do</strong>, primo <strong>do</strong><br />

primeiro, orquestra com Oko-Brutus, sobrinho <strong>do</strong> potenta<strong>do</strong>, o assassínio <strong>do</strong> primeiro para<br />

se apropriar <strong>do</strong> poder e da esposa. Esta é Cleópatra, única personagem histórica cujo nome<br />

não foi altera<strong>do</strong>, mas que não faz parte da peça de Shakespeare. Com esta estrutura familiar<br />

e a conspiração de um primo e de um sobrinho contra Jullius Caïd Kaesaire, Sony Labou<br />

Tansi escolheu a configuração privilegiada por Aristóteles para suscitar o efeito deseja<strong>do</strong> na<br />

tragédia: a tragédia no seio da mesma aliança (Capítulo IV.4).<br />

De facto, a cena 1 <strong>do</strong> quadro I evoca para o recetor elementos familiares da sintaxe<br />

trágica. Jullius Caïd Kaesaire prepara-se para ir jantar a casa de Oko-Navès, mas o seu<br />

confidente Boatous pressente o pior e pede-lhe para adiar a deslocação. No entanto, Jullius<br />

Caïd Kaesaire negligencia a advertência e acaba de facto por ser morto durante o jantar<br />

(Tableau I, scène 2). Como acontece em várias tragédias de Shakespeare, o espectro <strong>do</strong> morto<br />

volta para assombrar os vivos, mas fá-lo de maneira grotesca, pois Tansi associa o eleva<strong>do</strong><br />

(Jullius Caïd Kaesaire enquanto diretor <strong>do</strong> coro) ao trivial (volta ao volante de um carro<br />

vermelho, com charuto na boca, de calças de ganga e torso nu). Acrescenta-se que, como<br />

acontece nas tragédias gregas ou nas de Shakespeare, uma personagem exprime o seu<br />

desalento perante o acorri<strong>do</strong>; num longo monólogo, Oko-Brutus parece de facto<br />

perturba<strong>do</strong> pelo sentimento de culpa desde que matou o tio («le corps que j’ai rompu<br />

maintenant m’assiège» Tableau I, scène 3).<br />

Por seu la<strong>do</strong>, Cleópatra declara ao homem de confiança de Oko-Navès que deseja<br />

vingar a morte de Jullius Caïd Kaesaire. Eis o que contrapõe a Yoko-Ma que a aconselha a<br />

casar com Oko-Navès: «Ne tripotez plus mes veines/ Un sang féroce y murmure/<br />

Craignez qu’il ne vous morde/ assassins de mon cœur.» (Tableau II, scène 1). O desejo de<br />

vingança aparenta-se àquelas paixões que se apoderam, ao ponto de as cegarem, de algumas<br />

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