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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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Emanu «est un homme loyal et respectable. Une âme qui ne peut pas faire de mal à une<br />

mouche» (Scène avant-jardin). A parte sapiens <strong>do</strong> ser dita-lhe o quão erra<strong>do</strong> é assim o caminho<br />

escolhi<strong>do</strong>, mas segue em frente porque naquele momento é uma parte desconhecida de si<br />

próprio que o <strong>do</strong>mina. Como acontece com Édipo, por exemplo, A Espécie de Homem<br />

toma consciência de que algo está erra<strong>do</strong> sem conseguir perceber a razão. No trecho<br />

seguinte, a metáfora <strong>do</strong> caminho («Putains de voies», «chemins tortueux») é útil para<br />

mostrar que, apesar das aparências, a personagem trágica teve a certa altura a possibilidade<br />

de escolher outra via, mas não o fez por escolha própria ou por erro de interpretação:<br />

Je suis ivre et pourtant je n’ai pas bu. Amour, où me mènes-tu? Putain de vie! Sur<br />

quelles putains de voies nos pieds vont-ils marcher? Convient-il, existence infâme,<br />

qu’après m’avoir tout <strong>do</strong>nné, tu me retiennes tout en une seule respiration? Par<br />

quels chemins tortueux vais-je t’atteindre, mon amour? (Scène avant-jardin)<br />

Ao decidir suprimir Emanu, A Espécie de homem provoca a rebelião <strong>do</strong>s que o<br />

apoiam, ou seja, uma decisão motivada por razões de foro íntimo tem consequências<br />

negativas para parte da coletividade. O Escudeiro e A espécie de homem hesitam sobre a<br />

maneira de como reprimir o movimento que defende o General. Na conversa entre os <strong>do</strong>is<br />

homens, é o retrato <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> que se esboça. Como o vimos no capítulo III, a<br />

sua longevidade explica-se em parte por causa <strong>do</strong> apoio de que goza em certos Esta<strong>do</strong>s<br />

pós-coloniais <strong>do</strong> Norte. Nesta cena, A Espécie de homem diz não querer provocar o<br />

Norte, pois alguns desejam a sua queda, nomeadamente os Suíços por ele ter coloca<strong>do</strong> a<br />

sua fortuna no Brasil. A inversão <strong>do</strong>s clichés na fala da Espécie de homem é evidente:<br />

Qu’est-ce qu’ils me vomissent les Suisses! Ça, chapeau! Ils ont un sens pointu de<br />

l’intérêt tribal, les Suisses. Ethniques à mort. Même les Africains ne sont pas arrivés<br />

à les battre sur ce terrain-là (Scène d’immatriculation)<br />

De maneira mais séria, a questão aqui colocada é a da soberania real <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> num<br />

contexto de relações desiguais de poder. Assim, se decidir suprimir alguns opositores, a<br />

ONU criticá-lo-á por se situar <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> da fronteira ou da linha que separa o mun<strong>do</strong><br />

entre Eles e Nós. O que evoca A Espécie de homem é de facto a existência de um Esta<strong>do</strong><br />

pós-<strong>colonial</strong> ao qual são nega<strong>do</strong>s algumas das suas atribuições: «Ils vont se mettre à penser<br />

que moi, chef suprême d’un état souverain, je n’ai pas la souveraineté requise pour envoyer<br />

des emmerdeurs au casse-pipe» (Scène d’immatriculation). Só que no contexto de um Esta<strong>do</strong><br />

autoritário, a noção de soberania pode igualmente ser alvo de manipulação e servir para<br />

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