24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

As várias denominações (impregnação, pessoalidade <strong>colonial</strong>, <strong>colonial</strong>idade <strong>do</strong> ser,<br />

etc.) apontam para a naturalização por parte <strong>do</strong> senso comum das características <strong>do</strong> Texto. É<br />

provável que nenhum <strong>do</strong>s elementos que tenho vin<strong>do</strong> a apontar (discursos – noticiário,<br />

ensaios, manuais escolares… –, mas também práticas – insultos, agressões físicas...) tenha<br />

por si só o poder de impor o Texto junto <strong>do</strong> senso comum. É porque constituem uma teia,<br />

ou uma rede de significa<strong>do</strong>s, que os discursos em questão não só fizeram <strong>do</strong> Texto o que<br />

ele é hoje como facilitaram a sua natural e automática reprodução. A sua eficácia deve-se<br />

em grande parte, por um la<strong>do</strong>, à disponibilidade imediata das suas representações e, por<br />

outro, graças ao recurso permanente à metonimia, à sua faculdade de adaptação a contextos<br />

diferentes. Assim, as razões <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> dito falha<strong>do</strong> valem tanto para qualquer país da<br />

África central como para o Haiti.<br />

O poder de persuasão <strong>do</strong> Texto deve-se também ao número reduzi<strong>do</strong> e à<br />

simplicidade das suas explicações. Com Béji, Memmi e Smith é de facto «fácil» entender as<br />

razões da violência pós-<strong>colonial</strong>, <strong>do</strong> fracasso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, das suas crises sociais e<br />

económicas. Disponibilidade, adaptabilidade, simplicidade (DAS), três termos que explicam<br />

não só a permanência <strong>do</strong> Texto como também a dificuldade não em propor mas em fazer<br />

ouvir outros discursos, que, embora disponíveis, são muito mais complexos e longos <strong>do</strong><br />

que os ensaios curtos de uma Béji, de um Memmi ou de um Lefeuvre.<br />

Resta saber se o Texto não é revela<strong>do</strong>r de uma tendência profunda numa certa<br />

sociedade ocidental. Numa obra de referência, Balibar (1997) não hesitava em fazer <strong>do</strong><br />

«neo-racismo», que o Texto não para de evidenciar, uma categoria estruturante das<br />

sociedades ocidentais. Apesar das desconstruções de que foi alvo, o facto é que um racismo<br />

de novos contornos gangrena parte das sociedades ocidentais. Já em 1988, Balibar notava<br />

que o neo-racismo não se cingia aos discursos e às teorias, mas que se incarnava igualmente<br />

em práticas (Balibar, 1997: 28), 89 situação que tentei demonstrar anteriormente ao<br />

estabelecer um continuum entre o dizer (os ensaios) e o fazer (o insulto policial). O autor<br />

apontava também para a existência de uma «comunidade racista» no seio da qual não se<br />

podia delinear «fronteiras» claras entre as teorias racistas desenvolvidas por intelectuais e os<br />

89 Este complexo de discursos e de práticas sociais já caracterizava o racismo biológico que acompanhou os<br />

<strong>colonial</strong>ismos. Vejam-se as considerações de Bancel, Blanchard e Lemaire (2000: 17) a propósito <strong>do</strong>s jardins<br />

zoológicos humanos: «Les zoos humains constituent ainsi un phénomène culturel fondamental […] par son<br />

ampleur mais aussi parce qu’il permet de comprendre comment se structure le rapport que construit alors la<br />

France <strong>colonial</strong>e, mais aussi l’Europe, à l’autre. De fait, la plupart des archétypes mis en scène par les zoos<br />

humains ne dessinent-ils pas la racine d’un inconscient collectif qui prendra au cours du siècle de multiples visages<br />

et qu’il est indispensable de déconstruire?» (Enfâse minha) «Estrutura, raiz, inconsciente coletivo» são termos<br />

que remetem para uma superstrutura de tipo ideológico.<br />

99

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!