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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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explique aussi pourquoi un tel fait a tant d'impact. On se pose la question : ‘Est-ce<br />

que moi aussi, je pourrais être capable de poser un tel acte ?’ (Delruelle, 2007: 2-3)<br />

A intervenção de Delruelle tem a vantagem de permitir uma articulação entre o que<br />

o senso comum entende quan<strong>do</strong> fala de trágico e o trágico como categoria filosófica. Pois,<br />

como veremos mais à frente, a noção de temor («effroi»), incontornável na reflexão sobre o<br />

trágico, remete tanto para o que o sujeito experimenta perante o ato patético como para o<br />

me<strong>do</strong> mais íntimo que suscita o inominável: poderá ele próprio alguma vez acometer<br />

contra os próprios filhos? De facto, desde Aristóteles, o trágico, entre outras<br />

determinações, resulta da representação de uma ação que, como é sabi<strong>do</strong>, suscita dó (da<br />

personagem sofre<strong>do</strong>ra) e me<strong>do</strong> (de vir a sofrer os mesmos males) junto <strong>do</strong> recetor. Na sua<br />

curta intervenção, Delruelle aponta justamente para esta tensão trágica que leva o leitor a<br />

experimentar simultaneamente ambas as emoções.<br />

Porém, na sua abordagem <strong>do</strong> trágico, o senso comum também se revela muito útil,<br />

na medida em que sempre o contempla como condição – que resume a sua função de<br />

cópula (o infanticídio é trágico) – e sequência necessária de acontecimentos (o infanticídio<br />

só pode vir a fazer senti<strong>do</strong> se transforma<strong>do</strong> em narrativa ou em tragédia). É para isto que<br />

aponta outro texto, de estatuto radicalmente diferente – trata-se de uma obra de<br />

antropologia urbana –, mas que na sua procura das causas da desgraça não se afasta<br />

significativamente <strong>do</strong> discurso jornalístico. Os Naufraga<strong>do</strong>s (Les Naufragés) de Patrick<br />

Declerck, psiquiatra, etnólogo, que trabalhou com os vagabun<strong>do</strong>s de Paris durante mais de<br />

quinze anos, representa o dia-a-dia destes assim como <strong>do</strong>s médicos que os tentam ajudar.<br />

Neste livro, como nos <strong>do</strong>is artigos acima cita<strong>do</strong>s, o trágico não é objeto de uma definição, a<br />

sua utilização, como adjetivo e substantivo, parece falar por si própria, como se os seus<br />

significa<strong>do</strong>s fossem evidentes para o leitor. Cabe então ao hermeneuta entender o que o<br />

trágico significa nesta ocorrência.<br />

O livro evidencia claramente <strong>do</strong>is trágicos, um associa<strong>do</strong> à condição <strong>do</strong> vagabun<strong>do</strong><br />

e um segun<strong>do</strong> liga<strong>do</strong> à representação desta condição, à sua integração numa “sintaxe” que<br />

supostamente confere algum significa<strong>do</strong> a uma existência singularmente desprovida dele.<br />

Em vários momentos, Declerck atribui aos seus casos clínicos o estatuto de seres trágicos:<br />

seres-para-a-morte, para retomar a expressão forjada por Heidegger e hoje património<br />

comum <strong>do</strong> pensamento filosófico, seres reduzi<strong>do</strong>s às suas funções corporais, aos seus<br />

cheiros, às suas feridas, à sua loucura. Eis, por exemplo, o que diz de um homem em crise<br />

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