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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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Um certo senso comum associa ainda o trágico à condição humana, ou melhor, a<br />

uma conceção possível <strong>do</strong> que é a condição humana: esta fundamentar-se-ia na <strong>do</strong>lorosa<br />

tomada de consciência pelo ser humano da finitude <strong>do</strong> outro próximo de si próprio. O<br />

trágico neste contexto remete, ao mesmo tempo, para o nosso estatuto de ser-para-a-morte<br />

assim como para a dificuldade em aceitá-lo. Esta aceção da palavra encontra-se em textos<br />

de estatuto diferente, artigos na imprensa generalista e contribuições académicas.<br />

A contribuição de Delporte, enfermeiro no serviço de reanimação de um hospital<br />

parisiense, oferece a vantagem de associar esta aceção à pergunta das origens <strong>do</strong><br />

sofrimento. A sua intervenção na coluna Opinião <strong>do</strong> jornal Le Monde visa descrever as<br />

condições de trabalho <strong>do</strong> pessoal paramédico nos hospitais franceses num contexto em que<br />

se multiplicam os processos contra médicos por supostos erros que levaram à morte de<br />

pacientes. Organiza a sua argumentação em torno da convivência diária com o sofrimento,<br />

os males <strong>do</strong> corpo, a morte, para realçar as condições adversas que constituem o dia-a-dia<br />

destes profissionais. Para ele, as razões <strong>do</strong> sofrimento não têm a ver com uma maldição,<br />

um golpe <strong>do</strong> destino, um conflito de interesses: o ser humano com o qual convive é um ser<br />

sofre<strong>do</strong>r por natureza por causa da fraqueza <strong>do</strong> seu corpo. Encontramo-nos aqui perante o<br />

homem nu, o homem universal, desprovi<strong>do</strong> de qualquer narrativa. Perante o sofrimento de<br />

quem vai morrer e o sofrimento de quem já perdeu alguém, não existem explicações, só<br />

permanece, mais uma vez, a pergunta:<br />

Et comment l’expliquer? Comment l’accepter? A l’hôpital, le long de ces couloirs<br />

où rôde, presque palpable, la présence de la mort, tout est mis à nu; chaque<br />

faiblesse, chaque erreur est grossie, devient visible. On ne trompe pas la mort ni la<br />

souffrance, encore moins la maladie. (Delporte, 2009: 17)<br />

O trágico, se bem que não explicitamente presente, subjaz a estas palavras: um<br />

trágico ontológico que remete sem rodeios para a nossa condição. No mesmo lugar, ao<br />

falar <strong>do</strong>s inevitáveis fracassos, das vitórias da morte sobre a vida, acrescenta: «Nous ne<br />

sommes pas infaillibles, nous commettons parfois des erreurs, et elles sont souvent<br />

tragiques, fatales» (Delporte, 2009: 17). Classicamente, o adjetivo («tragiques») remete para<br />

a consequência de um erro, trágico equivalen<strong>do</strong> aqui a «terrível», e pertence claramente ao<br />

campo lexical da morte, o que a justaposição de outro adjetivo vem confirmar («fatales»).<br />

Neste texto, o trágico está indiscutivelmente associa<strong>do</strong> ao mesmo tempo a uma<br />

condição - a este título atravessa e estrutura o artigo <strong>do</strong> início ao fim - e às consequências<br />

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