24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

consegue viver sem ele porque, entre outros elementos, é o desprezo exerci<strong>do</strong> em cada<br />

situação <strong>do</strong> dia-a-dia que faz dele o colono. Por outras palavras, Perono precisa de um<br />

outro subalterniza<strong>do</strong>, precisa de o construir como tal para justificar o seu lugar na colónia.<br />

É assim que podemos interpretar a seguinte tirada de Perono: «J’écrase tout le monde. Mais<br />

il faut me comprendre. Cette soif de puissance, j’en ai besoin pour fabriquer ma propre<br />

manière de respirer; j’en ai besoin pour fonctionner.» (Tableau 1, scène 3). 234 De facto,<br />

Perono reduz-se em plena consciência ao exercício da sua autoridade, ao poder que retira<br />

da sua fortuna, mas também, elemento recorrente em Tansi, ao exercício das suas funções<br />

corporais: «Je m’arrête au seul bruit de l’oxygène au fond de ma viande. J’aime bien ou je<br />

déteste. Et dans ce que je déteste, il y a les Noirs.» (Tableau 1, scène 3).<br />

Apesar das múltiplas advertências, Mallot persiste e continua a resistir e a atacar<br />

Perono, a provocá-lo, julgan<strong>do</strong> assim encontrar uma maneira de existir. No contexto de<br />

uma tragédia, a sua réplica «Je suis imprenable. Imprenable, vous m’entendez?» (Tableau 1,<br />

scène 3) evoca o contrário junto <strong>do</strong> recetor. Perono responde-lhe que no Lebango quem<br />

possui dinheiro possui a justiça, quem não tem submete-se aos primeiros, emitin<strong>do</strong> assim a<br />

advertência maior deste quadro: «Instituteur des pantoufles, je m’en vais vous ouvrir les<br />

portes d’un enfer prêt à porter», «Je te ferai ronger ta propre viande» (Tableau 1, scène 3). O<br />

uso <strong>do</strong> futuro indica aqui o quão certo será o destino de Mallot no contexto de uma relação<br />

muito desigual de poder. No entanto, como acontece em numerosos textos trágicos, Mallot<br />

tinha a possibilidade de escolha, não precisava de se opor a Perono: «Je pouvais pourtant<br />

l’éviter. (Un temps.) Mais éviter quoi? S’éviter? Tu pouvais vraiment t’éviter, Mallot? Te<br />

feinter? Passer à côté de toi? Te rater, te cacher de toi? Non.» (Tableau 1, scène 4).<br />

Se articular as advertências de Perono com as reflexões mais íntimas de Mallot, o<br />

recetor entende logo no primeiro quadro que a origem da desgraça <strong>do</strong> professor jaz tanto<br />

no Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> enquanto (re)produtor de desigualdades como na própria<br />

personagem. A cena 4 <strong>do</strong> primeiro quadro é explícita sobre este último ponto. Mallot conta<br />

à mulher, Mwanda, o que aconteceu com Perono e interpreta o conjunto em termos quase<br />

234 Este tipo de relação com o <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> também existe em potenta<strong>do</strong>s locais. Assim, na peça de Pierre<br />

Mumbere Mujomba, La dernière enveloppe (República Democrática <strong>do</strong> Congo), contemporânea na sua primeira<br />

versão (1984) de La Parenthèse de sang e de Je, soussigné cardiaque, Mama Domina, rara ocorrência de potentada,<br />

afirma a Mafikiri, o seu professor de inglês: «Comment pourrais-je me sentir Mama Domina sans avoir tous<br />

les jours à engueuler les gens? Comment pourrais-je respirer ma puissance et renifler ma richesse si je ne suis<br />

pas entouré d’une multitude de génuflexions et d’une marée de misérabilités? En quoi l’Europe elle-même et<br />

sa sœur l’Amérique se sentiraient-elles Europe et Amérique si elles n’avaient sous leurs pieds les Afriques, les<br />

Asies et autres Latinos?» (Mujomba, 2002: 27). Entre outros pontos comuns a ambos os autores, nota-se a<br />

presença da personagem <strong>do</strong> professor em revolta contra o potenta<strong>do</strong> local, o projeto de se <strong>do</strong>tar de um<br />

significa<strong>do</strong> através da revolta, a presença <strong>do</strong> “baixo corporal e material”, o tratamento <strong>do</strong> corpo <strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>minante e <strong>do</strong> <strong>do</strong>s <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s.<br />

288

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!