24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

O que é aqui importante, e que remete para a postura ética <strong>do</strong> escritor, é que se a<br />

obra de Tansi, teatral ou romanesca, pode ser lida localmente, significar localmente, ou<br />

ainda contribuir para a estruturação de uma identidade nacional, ultrapassa, pelas suas<br />

características, as fronteiras de um país ou de um continente. Dito de outro mo<strong>do</strong>, o<br />

recetor que lê e interpreta muito além das fronteiras da República <strong>do</strong> Congo ficará<br />

comovi<strong>do</strong> face ao sofrimento das personagens sonyanas bem como revolta<strong>do</strong> pela<br />

violência e estupidez <strong>do</strong>s seus potenta<strong>do</strong>s. É o que apontava aliás Josias Semujanga numa<br />

leitura transcultural de três romances de Sony Labou Tansi (La Vie et demie, 1979; L’Anté-<br />

peuple, 1983; Les sept solitudes de Lorsa Lopez, 1985). Segun<strong>do</strong> Semujanga, alguns críticos leem<br />

a obra <strong>do</strong> escritor como sen<strong>do</strong> essencialmente africana ou congolesa, reflexo de uma<br />

conceção da literatura como sen<strong>do</strong> antes de mais empenhada. Porém, para Tansi, como<br />

para muitos escritores, não é de facto o adjetivo (africano) que importa, mas o<br />

determinante (escritor):<br />

En face de la cruauté et du grotesque des tyranneaux tropicaux, selon les termes<br />

mêmes du narrateur de La Vie et demie, Sony Labou Tansi voulait situer la littérature<br />

au niveau des idées, notamment celle qui a trait à la bêtise humaine dans ses<br />

dimensions universelles. (Semujanga, 2007: 39)<br />

Mesmo se Tansi escreveu a partir de um contexto determina<strong>do</strong>, seria nesta<br />

perspetiva assaz redutor restringi-lo às suas fronteiras. O texto literário – mesmo quan<strong>do</strong><br />

evidencia um referente concreto –, quer pelos múltiplos hipotextos que o nutriram quer<br />

pelas traduções de que será alvo, perpassa por natureza as fronteiras. Escrever neste<br />

contexto remete para algo que diz aqui e lá ao mesmo tempo, que fica dentro das fronteiras<br />

e que as ignora, numa relação de tensão. Semujanga, ele próprio crítico da diáspora, adepto<br />

de uma crítica além fronteira, vê aqui uma das características da literatura: «Écrire ou créer<br />

devient <strong>do</strong>nc butinage en ce sens que l’écrivain ou l’artiste explore ce qu’il y a entre, à travers<br />

et au-delà des êtres humains et des cultures: l’existence.» (Semujanga, 2007: 41).<br />

De facto, nas três tragédias acima referidas, a existência está no cerne de fábulas<br />

que questionam a apetência <strong>do</strong> ser humano pelo poder, que evidenciam a sua capacidade<br />

infinita de sofrer e de fazer sofrer. Como o dizia há pouco, o autor põe em cena<br />

personagens de poder no contexto de um Esta<strong>do</strong> autoritário em crise. Um esboço rápi<strong>do</strong><br />

de cada fábula evidenciará a pregnância desta questão <strong>do</strong> poder numa estrutura claramente<br />

trágica.<br />

293

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!