24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

das línguas coloniais no Sul, poder-se-ia de facto esperar encontrar tanto o substantivo<br />

como o adjetivo para descrever situações de calamidade ou crimes violentos, mas o que se<br />

passou foi também a transformação de um determina<strong>do</strong> fenómeno em tragédia. Ou seja, à<br />

semelhança <strong>do</strong> que acontece no senso comum, trata-se aqui de dar senti<strong>do</strong> a um fait-divers<br />

terrível, patético, através da sua transformação em narrativa.<br />

V.2. TRANSFORMAÇÃO DE UM PERCURSO EM TRAGÉDIA: SENSO<br />

COMUM E SENTIDO LITERÁRIO DO TRÁGICO NO SUL<br />

Como veremos através <strong>do</strong> exemplo apresenta<strong>do</strong> por Ato Quayson, não se trata<br />

somente de qualificar a morte violenta de um escritor e ativista famoso (Ken Saro-Wiwa),<br />

mas de tentar explicar como ela foi possível, de explicar as razões <strong>do</strong> mal. O crítico e<br />

teórico pós-<strong>colonial</strong> nigeriano ilustra paradigmaticamente a presença da tragédia e <strong>do</strong><br />

trágico entendi<strong>do</strong>s no seu senso comum fora <strong>do</strong> seu lugar de origem. Em Calibrations:<br />

Reading for the social, relê assim a morte <strong>do</strong> escritor Ken Saro-Wiwa, condena<strong>do</strong> à morte e<br />

enforca<strong>do</strong> em 1995. Quayson relembra que na altura tanto intelectuais como anónimos e<br />

ainda jornais associaram a execução de Saro-Wiwa a algo de trágico, não só para qualificar<br />

o grau de excecionalidade e de violência <strong>do</strong> aconteci<strong>do</strong> como também para, de maneira<br />

mais ou menos consciente, tentar dar-lhe significa<strong>do</strong>.<br />

For most of the people horrified by the events, there was an unconscious attempt<br />

to make sense of them within the available categories offered both by academic and<br />

journalist discourses. One of these, which was repeated again and again, was that of<br />

‘tragedy’. (Quayson, 2003: 58)<br />

Nalguns casos, Quayson não duvida de que a palavra ainda remetia para uma<br />

reminiscência mais ou menos clara («a vague ghost») <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> literário da palavra. Num<br />

gesto raro no mun<strong>do</strong> académico, e quase inexistente entre os teóricos <strong>do</strong> trágico, Quayson<br />

encontra justamente na intersecção de ambos os senti<strong>do</strong>s um ponto de vista ideal para reler<br />

a trajetória da vítima: «It is at the intersection of the scholarly and the everyday that a<br />

rereading of the events leading to Saro-Wiwa’s death may be productively located»<br />

(Quayson, 2003: 59). Em vez de sistematicamente desclassificar o primeiro para enaltecer<br />

melhor o segun<strong>do</strong>, através de uma demarcação forte entre ambos, Quayson defende um<br />

217

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!