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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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pouco mais à frente, acrescenta: «Les présidents des nouvelles Républiques miment en<br />

général le pouvoir <strong>colonial</strong> dans ce qu’il a de plus arbitraire» (Memmi, 2004: 100).<br />

Eis em suma o que o Texto diz das razões <strong>do</strong> fracasso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong>. O<br />

verbo «dizer» importa aqui, pois o Texto, se diz, não explicita, não fundamenta as suas<br />

observações, limita-se a recuperar e reproduzir as imagens sempre já disponíveis no armazém<br />

<strong>do</strong> Texto. O campo semântico que se foi construin<strong>do</strong> em torno <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong><br />

visa sobretu<strong>do</strong>, como o dizia em abertura, fechar o objeto em estu<strong>do</strong> numa moldura<br />

estanque e imóvel. É o que faz Smith de maneira paradigmática: numa página cinco<br />

vocábulos e expressões constituem este campo semântico – «dégringolade», «mécanique du<br />

malheur», «échec», «cataclysme quasi général» ou ainda «débâcle» <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong><br />

(Smith, 2003: 51) – para descrever o que ele considera um fenómeno comum a to<strong>do</strong>s os<br />

países <strong>do</strong> continente (daí a irrelevância da análise pormenorizada de caso, pois o que é dito<br />

sobre um vale para o to<strong>do</strong>).<br />

O Texto não para assim de produzir ocorrências, de (re)atualizar a sua reserva de<br />

imagens em suportes diversos. 82 Dediquei alguma atenção ao género <strong>do</strong> ensaio, mas é<br />

sabida a disposição <strong>do</strong> Texto para se adaptar não só a outras práticas literárias (romance,<br />

banda desenhada…) como a outros tipos de discursos, como tentei demonstrar com a<br />

análise da reportagem sobre o Haiti. 83 O Texto continua a proliferar, em palavras e imagens,<br />

e, enquanto discurso naturaliza<strong>do</strong> e difundi<strong>do</strong> em todas as camadas sociais, tornou-se<br />

extremamente difícil substitui-lo por representações mais matizadas, articuladas e<br />

informadas.<br />

Encontrei uma das evidências mais recentes desta proliferação numa revista de<br />

vulgarização histórica (usada como fonte para os professores <strong>do</strong> ensino secundário na<br />

França e na Bélgica) que dedicou recentemente um número à colonização. O título anuncia<br />

82 Se uma certa geopolítica descreve o continente com a consciência <strong>do</strong> peso <strong>do</strong>s conceitos herda<strong>do</strong>s da<br />

ocupação <strong>colonial</strong> (e.g. Hugon, 2006), outra parece não conseguir abstrair-se daquele passa<strong>do</strong>, reproduzin<strong>do</strong><br />

o Texto. Assim é o caso da recente Géopolitique du Congo (RDC), onde abundam clichés herda<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século<br />

XIX. A propósito <strong>do</strong> nacionalismo congolês, os autores afirmam: «S’il ne repose pas sur l’exaltation du passé,<br />

le nationalisme congolais repose encore moins sur l’abnégation et l’acceptation de l’effort personnel à fournir<br />

pour le bien de la nation. Il faut dire que les Congolais ont, trop puissant, le sentiment qu’ils souffrent assez<br />

comme cela de la vie» (Cros, Misser, 2006: 48). Ter-se-á nota<strong>do</strong> a generalização de uma característica (a<br />

preguiça) a to<strong>do</strong> o grupo nacional construí<strong>do</strong> como homogéneo.<br />

83 Entre os teóricos pós-coloniais, Quayson (2005) foi <strong>do</strong>s poucos a indicar novos caminhos para entender<br />

como o Texto (tanto o orientalismo como o africanismo) conseguia propagar e naturalizar o seu conteú<strong>do</strong><br />

junto de um público cada vez maior. No seu ensaio, analisa pormenorizadamente o conteú<strong>do</strong> ideológico de<br />

um episódio da série X-Files, claramente recetáculo e sobretu<strong>do</strong> amplifica<strong>do</strong>r, da<strong>do</strong> o seu sucesso, das<br />

determinações <strong>do</strong> Texto. Outras séries de sucesso como 24 hours ou The Unit não escondem um racismo<br />

cultural <strong>do</strong> qual a essência «mun<strong>do</strong> árabe» é o principal alvo. Como o dizia há pouco, analisá-las tornou-se tão<br />

ou talvez ainda mais importante <strong>do</strong> que analisar obras literárias porta<strong>do</strong>ras da mesma carga ideológica.<br />

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