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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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eescrita das memórias em conflito (as múltiplas memórias locais e a presença monolítica<br />

da memória <strong>colonial</strong>). No entanto, trata-se também de um espaço estrutura<strong>do</strong> por múltiplas<br />

«fronteiras», ao mesmo tempo lugar de contacto (entre alguns coloniza<strong>do</strong>s e alguns<br />

coloniza<strong>do</strong>res) e lugar de exclusão (nomeadamente entre cidade branca e cidade negra). É<br />

certo que os sujeitos africanos que atravessam as «fronteiras», que inventam ali uma<br />

identidade inédita, também vivem da «tradução»/tradução. É assim pelo menos que se<br />

pode interpretar o papel <strong>do</strong>s funcionários locais que «traduzem», de cima para baixo e de<br />

baixo para cima, as ordens <strong>do</strong>s coloniza<strong>do</strong>res e as reações <strong>do</strong>s coloniza<strong>do</strong>s à «conversão»<br />

em curso (Mudimbe, 1994: 36). Mudimbe não esconde que no contexto <strong>colonial</strong> «fronteira»<br />

e «tradução» remetem antes de mais para as relações desiguais de poder entre uns e outros;<br />

nota, porém, que a reinvenção e a reescrita tiveram aí lugar, e é a partir desta constatação<br />

que interpreta o seu próprio percurso. Constata, sem glória particular, que agrega nele as<br />

memórias em presença (diz até que as «incarna») e que se transformou, como tantos outros,<br />

em intelectual transcultural:<br />

Mon multiculturalisme est un fait. Je nage, chaque année, entre, au moins, trois<br />

langues et trois cultures. Et, chaque fois, je change de <strong>do</strong>maine, de spécialité,<br />

témoignant ainsi, j’aimerais le penser, de notre destin collectif pour les siècles à<br />

venir quand il n’y aura plus de culture-île.» (Mudimbe, 1994: 157)<br />

Completa este retrato acrescentan<strong>do</strong> que depois de dez anos nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s<br />

«Je ne suis de nulle part et me sens de partout. […] Le nomadisme aura été – depuis quand<br />

<strong>do</strong>nc? – mon destin et le signe de ma vocation» (Mudimbe, 1994: 165).<br />

Talvez o estu<strong>do</strong> de percursos, de trajetórias individuais – mais uma vez encontro<br />

aqui o dinamismo com o qual iniciei o capítulo –, seja uma das vias a explorar a fim de<br />

perceber o que «fronteiras» e «traduções» realmente significam. Vejo ainda em tais<br />

percursos o paradigma <strong>do</strong> crítico pós-<strong>colonial</strong>: viajou para algumas «fronteiras», cruzou-as e<br />

«traduziu» as obras que ali encontrou. Com o intelectual transcultural situamo-nos<br />

definitivamente <strong>do</strong> la<strong>do</strong> da circulação/deslocação, mas igualmente da transformação, pois o<br />

cruzamento implica mudanças íntimas similares às descritas por Gilroy a propósito <strong>do</strong>s<br />

intelectuais que circularam no «Atlântico negro». 72<br />

72 «Du Bois’s travel experiences raise in the sharpest possible form a question common to the lives of almost<br />

all these figures who begin as African-Americans or Caribbean people and then are changed into something<br />

else which evades those specific labels and with them all fixed notions of nationality and national identity.»<br />

(Gilroy, 2001: 19). Como a acrescenta a seguir, esta mudança ou transformação é comum a qualquer<br />

experiência de exílio, força<strong>do</strong> ou voluntário, mas o que Gilroy não diz é que a mudança em questão é<br />

universal e não intrínseca ao «Atlântico».<br />

74

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