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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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vem acompanha<strong>do</strong> por uma peripécia, citan<strong>do</strong> Édipo de Sófocles como paradigma. Notar-<br />

se-á o aspeto normativo da asserção, como também a insistência no prazer que este tipo de<br />

estrutura deveria suscitar junto <strong>do</strong> recetor. Aristóteles defende ainda a associação<br />

reconhecimento/peripécia por ela ser a mais suscetível de produzir piedade e temor, o<br />

efeito trágico, no recetor.<br />

Peripécia e reconhecimento constituem pois duas partes essenciais para a<br />

construção de uma boa intriga; Aristóteles acrescenta-lhes mais uma: o acontecimento<br />

patético: «C’est une action qui provoque destruction ou <strong>do</strong>uleur, comme les agonies<br />

présentées sur la scène, les <strong>do</strong>uleurs très vives, les blessures et toutes les choses du même<br />

genre» (XI). O termo designa ao mesmo tempo o acontecimento violento («action») e a<br />

emoção por este suscita<strong>do</strong> («<strong>do</strong>uleur»).<br />

O que transparece das linhas anteriores é claramente a conceção de um trágico<br />

como efeito, como resultante da combinação de uma série de elementos de natureza<br />

diversa, o que se torna ainda mais visível a partir <strong>do</strong> capítulo XIII, quan<strong>do</strong> Aristóteles<br />

estuda as situações suscetíveis de melhor provocar a piedade e o temor. Entre elas, a sua<br />

preferência vai para o indivíduo 176 que não é nem o mais justo nem o mais virtuoso <strong>do</strong>s<br />

homens e «se retrouve dans le malheur non à cause de ses vices ou de sa méchanceté, mais<br />

à cause de quelque erreur (…)» (XIII). Neste caso, dá-se a reviravolta da fortuna (da<br />

felicidade à desgraça) por causa de «um erro grave da personagem». O trágico existe<br />

também neste erro de interpretação.<br />

Alguns comenta<strong>do</strong>res da tragédia e <strong>do</strong> trágico apontaram esta importante questão<br />

<strong>do</strong> saber, ou melhor da falta dele, que corresponde também a uma falha, para explicar a<br />

desgraça. Para dizê-lo em poucas palavras, no cerne de muitas tragédias ergue-se uma<br />

personagem que, amputada no eixo <strong>do</strong> saber, erra no eixo da ação.<br />

Para entender este ponto essencial, é preciso voltar um pouco atrás na questão <strong>do</strong><br />

mal através de um <strong>do</strong>s pensa<strong>do</strong>res que reavivou a questão <strong>do</strong> trágico na segunda metade <strong>do</strong><br />

século XX. Segun<strong>do</strong> Jean-Marie Domenach, quan<strong>do</strong> advém o acontecimento trágico, na<br />

vida ou numa peça, coloca-se para o recetor a mesma pergunta: como pôde isto acontecer?<br />

Questão ainda mais imperativa quan<strong>do</strong> se trata de um inocente ou de uma pessoa feliz.<br />

«Ainsi le tragique apparaît-il d’emblée comme le pressentiment d’une culpabilité sans causes<br />

176 Utilizo aqui indivíduo e não herói ou personagem mitológica porque o próprio Aristóteles notou que as<br />

melhores tragédias também funcionavam com intrigas e personagens inventadas. Ou seja, defendia que uma<br />

boa tragédia não tinha necessariamente de encenar reis e príncipes oriun<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s mitos. Infelizmente não<br />

chegou até nós nenhuma das tragédias que cita.<br />

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