24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

significativo nestas páginas é a evidência de que o trágico no senso comum não só precisa<br />

de uma mise en récit como também de uma distância em relação a esta, distância que é a <strong>do</strong><br />

recetor. Percebeu-se igualmente que a outra grande característica, a procura das raízes <strong>do</strong><br />

mal e da desgraça, ocupa uma parte significativa das reflexões de Declerck. Como veremos<br />

mais à frente, é esta igualmente a pergunta funda<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> trágico, tanto nos textos literários<br />

como nas reflexões teóricas sobre o conceito.<br />

Esta procura das origens <strong>do</strong> mal ocupa outra antropóloga, Carmen Jamoulle, que<br />

observou os deserda<strong>do</strong>s de um bairro de Bruxelas (Gare du Nord). A grande diferença em<br />

relação ao trabalho de Declerck reside na população estudada, que abrange vagabun<strong>do</strong>s,<br />

mas também prostitutas, jovens desequilibra<strong>do</strong>s pelas crises sociais e económicas ou pela<br />

dicotomia entre os valores vigentes no meio familiar e os <strong>do</strong> meio social onde se inserem.<br />

O ponto comum entre aqueles seres sofre<strong>do</strong>res reside não só nas suas diversas fragilidades<br />

como nos males que afetam os seus corpos, ou seja, to<strong>do</strong>s acabam por experimentar ou<br />

traduzir a desgraça na própria pele. A autora vê neles o resulta<strong>do</strong> in loco de um fenómeno<br />

global:<br />

Dans ce quartier hétérogène, les problématiques des marges de la mondialisation<br />

sont rassemblées: précarité aigue, trajectoires d’exil, replis communautaristes,<br />

économie souterraine et travail insécurisé. (Jamoulle, 2009: 12) 149<br />

Em vários momentos, Jamoulle remete explicitamente para o trágico para<br />

caracterizar a condição <strong>do</strong>s sujeitos, mas sem nunca propor uma reflexão preliminar sobre<br />

o conceito, como se, mais uma vez, os seus significa<strong>do</strong>s fossem óbvios. O exemplo seguinte<br />

desvenda, no entanto, as nuances que ela introduz na utilização da palavra.<br />

Entre os deserda<strong>do</strong>s, Jamoulle encontra Yérina, jovem mulher oriunda da imigração<br />

marroquina, criada por pais pouco presentes, empenha<strong>do</strong>s em proporcionar um grau<br />

eleva<strong>do</strong> de bem-estar material aos filhos, pais que compensam as suas frequentes ausências<br />

com a multiplicação de prendas, pais que recusam os modelos de socialização da sua aldeia<br />

e enaltecem as um certo tipo de aparências. Influenciada pelos modelos simbólicos <strong>do</strong><br />

corpo feminino presentes no mun<strong>do</strong> mediático ocidental, Yérina utiliza o seu para atrair as<br />

atenções, para seduzir, ou seja, assimilou, consciente ou inconscientemente, o padrão<br />

149 Mesmo se o termo nunca aparece, pode dizer-se que a sua descrição <strong>do</strong> bairro em questão é feita em<br />

termos pós-coloniais: «Ce quartier métissé est fait de multiples itinéraires et d’identités ethniques, de<br />

transactions commerciales de façade et d’arrière-boutiques. Il est un espace de confrontation, de changement,<br />

de mouvement, où la modernité n’est pas figée mais reste une réalité fluide, négociable, inachevée.» (Jamoulle, 2009: 17<br />

Enfâse minha).<br />

161

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!