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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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apagamento das fronteiras: «Rather it is preferable to systematically blur the distinctions<br />

between the two <strong>do</strong>mains by cross-mapping the analysis between them.» (Quayson, 2003:<br />

59. Enfâse de Quayson).<br />

A partir deste momento, e à semelhança <strong>do</strong> que faz a imprensa a partir de um fait-<br />

divers patético, Quayson transforma Saro-Wiwa em personagem, a Nigéria em cenário, e a<br />

sucessão <strong>do</strong>s factos em fábula (no senti<strong>do</strong> teatral <strong>do</strong> termo). Em grande parte, a sua análise<br />

remete para características próprias da tragédia. Assim, reencontra na oposição entre Saro-<br />

Wiwa e a sua comunidade, de um la<strong>do</strong>, e o Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> e a multinacional Shell, <strong>do</strong><br />

outro, a tensão entre polos antagónicos que Hegel descreveu como estruturante na<br />

tragédia. Duas vontades opostas, <strong>do</strong>is conjuntos de valores incompatíveis e, porque<br />

incompatíveis, sem possibilidade de resolverem as suas tensões numa síntese superior, são<br />

pontos que remetem claramente para algumas das leituras filosóficas que descrevi no<br />

capítulo anterior.<br />

O agora herói trágico enceta então uma luta em nome de um conjunto de valores,<br />

de uma postura ética, contra duas macroestruturas (o Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> e a<br />

multinacional) que se empenham em reduzir os mesmos valores ao silêncio. Porém, é neste<br />

movimento inicial – que leva Saro-Wiwa a defender os direitos da sua comunidade em<br />

nome de uma postura ética –, que radica em parte a origem da queda final:<br />

For, in <strong>do</strong>ing this, he not only came to represent an ethical position radically<br />

opposed to that represented in the Nigerian state but also triggered processes well<br />

beyond his control that in the end came to destroy him. (Quayson, 2003: 67-68)<br />

Dito de outro mo<strong>do</strong>, e à semelhança de uma Antígona, Saro-Wiwa entra em<br />

confronto com as forças das macro-estruturas, forças que sabia serem difíceis de vencer.<br />

Como tantos outros seres trágicos, fracassa mas ao fracassar consegue algo para sua<br />

comunidade. É isto que faria <strong>do</strong> ser trágico uma personagem trágica: «Saro-Wiwa is a tragic<br />

hero because he committed himself to his people but could not possibly have controlled all<br />

the forces he unleashed» (Quayson, 2003: 75).<br />

Ter-se-á nota<strong>do</strong> que, se a vida Saro-Wiwa se torna trágica, é porque Quayson a<br />

reconstitui après-coup como tal. Mais uma vez, como dizia no capítulo anterior, é preciso este<br />

olhar exterior, este olhar abarca<strong>do</strong>r para, por um la<strong>do</strong>, a transformar em fábula trágica e,<br />

por outro la<strong>do</strong>, para conferir senti<strong>do</strong> às razões <strong>do</strong> mal e, em última análise, para dar senti<strong>do</strong><br />

a um percurso humano. O facto de pegar na vida <strong>do</strong> escritor no momento da crise, à<br />

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