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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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masculino <strong>do</strong> corpo feminino torna<strong>do</strong> objeto. Acabará sexualmente explorada, obesa,<br />

fechada em casa porque obesa. Convencida de que a sua desgraça provém <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu<br />

corpo, manda colocar um anel no estômago. Muda fisicamente, perde peso, parece<br />

reencontrar a imagem que uma certa sociedade espera dela, mas a desgraça permanece e<br />

agora Yérina compra objetos, bens de consumo, cuja aquisição lhe proporciona um alívio<br />

temporário. Perante a sua entrevista<strong>do</strong>ra, Yérina, a certa altura, coloca a grande questão<br />

trágica: «Porque é que sofro tanto?» (Jamoulle, 2009: 41).<br />

À semelhança <strong>do</strong>s vagabun<strong>do</strong>s de Declerck, a jovem mulher não consegue<br />

desvendar a teia de acontecimentos, de decisões erradas, de conflitos entre normas e<br />

desejos que estão na origem <strong>do</strong> mal. Não entende que as metamorfoses <strong>do</strong> seu corpo não<br />

trarão solução para a sua desgraça, pelo contrário, o corpo tortura<strong>do</strong> «a laissé intactes son<br />

angoisse, sa souffrance traumatique et sa solitude vécue» (Jamoulle, 2009: 44). O corpo<br />

assim violenta<strong>do</strong> transforma-se em merca<strong>do</strong>ria, ainda mais quan<strong>do</strong> os laços afetivos são<br />

instáveis ou caracteriza<strong>do</strong>s pela violência. É neste ponto que Jamoulle vê a emergência de<br />

um trágico particular, liga<strong>do</strong> às circunstâncias <strong>do</strong> seu surgimento:<br />

En cela les idéaux de la mondialisation sont tragiques. L’hypermarchandisation de la<br />

sphère privée et publique, au final, quoi qu’elle coûte, est incapable de sécuriser les<br />

individus. Sans liens de confiance et d’entraide mutuelles, ils souffrent et dépriment.<br />

(Jamoulle, 2009: 45)<br />

O trágico neste trecho e no contexto acima descrito surge como uma espécie de<br />

macro-estrutura que pesa no destino <strong>do</strong>s indivíduos mais frágeis, não muito distinto <strong>do</strong> que<br />

veremos nas obras literárias que são objeto desta dissertação. Como a autora não explica<br />

claramente o que a leva a utilizar o adjetivo, cabe ao hermeneuta analisar as suas possíveis<br />

significações. Em primeiro lugar, ter-se-á nota<strong>do</strong> mais uma vez a sua inserção numa<br />

estrutura que, pela utilização da cópula, estabelece uma relação de<br />

simetria/correspondência entre o predica<strong>do</strong> e o substantivo <strong>do</strong> qual depende. Ou seja, o<br />

trágico é ti<strong>do</strong> como uma espécie de essência inerente aos ideais em questão, uma essência<br />

que não tem grau (não se é um pouco ou muito trágico) e que parece significar por si só.<br />

Em segun<strong>do</strong> lugar, o trágico aparece como sen<strong>do</strong> associa<strong>do</strong> a uma estrutura abstrata que<br />

<strong>do</strong>minaria os corpos. Em terceiro lugar, é uma estrutura que permite explicar as origens <strong>do</strong><br />

mal que pesa sobre os indivíduos mas que estes não são capazes de entender. Por outras<br />

palavras, Yérina sofre por não perceber que as representações e os modelos <strong>do</strong> corpo<br />

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