24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

IV.2. O SENSO COMUM E O TRÁGICO<br />

É conhecida a tendência por parte <strong>do</strong>s médias para utilizar com certa frequência o<br />

substantivo «tragédia» e o adjetivo «trágico». Assim, uma rápida pesquisa no diário inglês<br />

Guardian mostra que, numa semana apenas (de 7 a 12 de Março de 2009), se encontram 32<br />

ocorrências <strong>do</strong> termo utiliza<strong>do</strong> como sinónimo de desenlace infeliz. 145 O resulta<strong>do</strong> não é<br />

muito diferente noutros jornais (Público e Le Monde) no mesmo perío<strong>do</strong>. Os contextos de<br />

utilização são múltiplos: fait-divers, filosofia, condições de trabalho, política… Neste âmbito,<br />

a palavra remete tanto para a qualidade de um acontecimento como para os sentimentos<br />

que despertou: situação «trágica», fim «trágico», morte «trágica» designam de facto, por um<br />

la<strong>do</strong>, a qualidade <strong>do</strong> acontecimento (trágico significan<strong>do</strong> aqui dramático, terrível) assim<br />

como o sentimento provoca<strong>do</strong> pelo mesmo acontecimento (trágico significan<strong>do</strong> então<br />

comovente). Ter-se-á nota<strong>do</strong> que assim o trágico e a tragédia se aproximam, tanto em<br />

português como em francês ou em inglês, <strong>do</strong> que significa outro termo oriun<strong>do</strong> <strong>do</strong> campo<br />

lexical <strong>do</strong> teatro e que passou para o senso comum: patético. Teóricos mais conserva<strong>do</strong>res<br />

<strong>do</strong> trágico recusariam a simples ideia de contemplar o uso diário, vulgar, das palavras. 146 No<br />

entanto, observa<strong>do</strong>res contemporâneos (Eagleton, 2003; Escola, 2002; Quayson, 2003;<br />

Ribard e Viala, 2002), mais atentos ao la<strong>do</strong> dinâmico e maleável <strong>do</strong> conceito, não hesitam<br />

em integrar o que trágico e tragédia podem significar num certo registo de língua. Porém,<br />

entre o adjetivo e o substantivo existe uma nuance que permite ir mais longe no exame <strong>do</strong><br />

significa<strong>do</strong> da palavra no senso comum.<br />

Considere-se a morte «trágica» de uma criança: é um facto terrível, ou seja, provoca<br />

repulsão por algo que nos é externo ou ainda um sentimento de dó pelos pais (eles sofrem),<br />

mas, ao mesmo tempo, suscita uma comoção a um nível interno, mais íntimo, ou ainda<br />

uma dó antecipada em nós (eu sofro). Trata-se de um facto bruto que não precisa de<br />

desenvolvimento, de estrutura narrativa mais ou menos elaborada para fazer senti<strong>do</strong>.<br />

145 Pesquisa feita a 13 de Março de 2009, recorren<strong>do</strong> ao motor de pesquisa <strong>do</strong> jornal inglês<br />

(www.guardian.co.uk). As ocorrências de ambas as palavras são numerosas tanto na imprensa como em<br />

revistas científicas. Assim, uma rápida pesquisa em <strong>do</strong>is motores franceses de pesquisas especializa<strong>do</strong>s em<br />

publicações nas áreas das ciências sociais e humanas revela a presença, em Novembro de 2010, das duas<br />

palavras em 9680 artigos num deles (Cairn.info) e em 2307 no outro (Revues.org). Neste enorme corpus, é<br />

preciso distinguir, por um la<strong>do</strong>, independentemente <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>, o uso corrente (trágico como sinónimo de<br />

terrível e tragédia como sinónimo de acidente violento) e, por outro la<strong>do</strong>, os usos filosóficos e literários, ou<br />

seja, os artigos que, em parte ou no seu to<strong>do</strong>, tomam os conceitos por objeto de estu<strong>do</strong>.<br />

146 Vernant e Vidal-Naquet, por exemplo, defendem a impossibilidade da visão trágica fora da tragédia,<br />

sobretu<strong>do</strong> fora da tragédia grega (veja-se o capítulo IV - «Le sujet tragique: historicité et transhistoricité» - <strong>do</strong><br />

segun<strong>do</strong> volume da sua incontornável colectânea de ensaios de 2001).<br />

154

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!