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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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Terestchenko, que experimentamos sem a mediação da razão: «Ces affections sont<br />

ressenties immédiatement, passivement, et notre volonté n’y a pas plus de part que la<br />

raison». (Terestchenko, 2005: 54)<br />

Esta descrição <strong>do</strong> ser altruísta corresponde de facto às ações empreendidas por<br />

Sebastião Lopes em prol <strong>do</strong>s cria<strong>do</strong>res de ga<strong>do</strong>: perante o seu sofrimento, o advoga<strong>do</strong> não<br />

hesita, empenha-se apesar <strong>do</strong>s perigos, sem esperar nenhuma retribuição. Personalidade<br />

forte, fiel a si própria, atua em função das convicções que orientam o seu percurso, e não<br />

por interesses materiais ou simbólicos.<br />

Se Preda<strong>do</strong>res encara então a possibilidade da rutura da circularidade trágica, a<br />

restante obra de Pepetela, bem como a de Tansi e de Nkashama, encena percursos de<br />

condena<strong>do</strong>s <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s por uma superestrutura. Se estas personagens desempenham um<br />

papel incontornável na sintaxe trágica também ocupam um papel não menos importante<br />

nas suas possíveis leituras.<br />

A representação <strong>do</strong> percurso de um Kapiangala evidencia assim, mais uma vez, a<br />

tensão entre uma leitura local, dentro das fronteiras de Angola, e uma leitura global, fora<br />

das fronteiras. A sua biografia faz senti<strong>do</strong> no contexto da capital de Angola, mas a mesma<br />

personagem, no seu profun<strong>do</strong> desespero, também faz senti<strong>do</strong> além fronteiras, pois o seu<br />

sofrimento é o de to<strong>do</strong>s os condena<strong>do</strong>s <strong>do</strong> planeta. É por isso que comove à distância o<br />

leitor longínquo, africano ou não, assim como, pelo contrário, poderá ser indiferente a um<br />

eventual leitor local da classe alta de Luanda. São personagens como esta ou como Thor ou<br />

ainda Malika ou Júlio Fininho que fazem da obra de Pepetela um vasto texto que significa<br />

aqui e lá, numa relação de tensão, não sen<strong>do</strong> assim puramente angolano nem totalmente<br />

universal. Esta tensão nunca resolvida entre o local e o global encontra-se no texto de<br />

Sartre que comentei há pouco. Inicialmente, este defende a necessidade de existir uma<br />

comunidade de interesses entre o escritor e os seus leitores, ou seja, o primeiro escreveria<br />

numa época assim como num lugar determina<strong>do</strong> e para um público determina<strong>do</strong>. Fora<br />

deste contexto, o mesmo texto não suscitaria interesse ou não seria entendi<strong>do</strong><br />

convenientemente (Sartre, 1948: 82). No entanto, a seguir, na ilustração <strong>do</strong> seu pensamento<br />

dialético, o mesmo Sartre constata que apesar de tu<strong>do</strong> uma obra acaba por circular fora da<br />

comunidade inicial, que fala ao recetor longínquo. Este facto explicar-se-ia pelas<br />

características de um público que entendeu o papel social <strong>do</strong> escritor:<br />

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